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Dermatite de fraldas (assadura) e lenços umedecidos

Adaptado do original da Dra. Kerstin Taniguchi Abagge, da Sociedade Brasileira de Pediatria. Disponível em: http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/flipping-book/consenso-cuidados-pele/cuidados-com-a-pele/assets/basic-html/page34.html

Definição

É uma reação inflamatória aguda e uma das formas mais comuns de dermatite de contato por substâncias irritantes.

O termo dermatite de fraldas é melhor definido como um complexo variável de sintomas iniciados por uma combinação de fatores, dentre os quais o contato prolongado e a maceração causados por fraldas úmidas e materiais impermeáveis, além da irritação pela urina e fezes.

Estrato córneo e epiderme

A epiderme da pele do feto é uma barreira imperfeita, pois possui duas ou três camadas de células.  Por volta da 24ª semana de gestação, a epiderme começa a se tornar mais espessa.

A ceratinização de toda a superfície cutânea ocorre também nesta etapa da gestação, com o desenvolvimento de um estrato córneo escasso.

A partir da 34ª semana, o estrato córneo estará totalmente definido. A pele do recém-nascido a termo é similar à do adulto.

Os lipídios da camada córnea são compostos por gorduras ácidas monossaturadas ou insaturadas. Essa gordura é hidrofílica e melhora a permeabilidade da barreira cutânea. O colesterol, os ácidos graxos livres e as ceramidas estão presentes nas mesmas proporções

Classificação

A dermatite de fraldas pode ser classificada clinicamente em:

1) Forma leve ou por fricção: eritema, descamação, aspecto brilhante da pele e, eventualmente, pápulas. As lesões estão tipicamente localizadas nas regiões convexas cobertas pelas fraldas, poupando as dobras.

2) Forma moderada: lesões papuloerosivas ou maceradas que se tornam violáceas e liquenificadas.

3) Forma grave ou ulcerativa: conhecida como dermatite amoniacal é a forma mais grave de dermatite de fraldas. Vista mais comumente em crianças abaixo de dois anos, geralmente inicia-se entre o primeiro e o segundo mês de vida e, se não devidamente controlada, pode recorrer até que a criança não use mais fraldas.

Caracteriza-se por pápulas com ulcerações apicais que variam de profundidade e são denominadas úlceras de Jacquet, localizadas nas regiões convexas da área das fraldas, dispostas em W, face interna das coxas, glúteos e glande ou vulva.

Etiopatogenia

Papel das fezes: as enzimas pancreáticas (proteases e lipases) e as resultantes da ação bacteriana no intestino grosso (urease fecal) atuam aumentando a permeabilidade da pele, favorecendo a penetração de substâncias irritantes.

Papel da urina: tem função recíproca com as fezes sobre a pele úmida. A urina recente não lesa a pele, mas a que permanece em contato com a pele por mais de 18 horas pode danificá-la.

A hiperhidratação aliada ao atrito pelas fraldas são os fatores mais importantes na gênese da dermatite de fraldas. A urease fecal atua na ureia urinária transformando-a em amônia, o que aumenta o pH local com alcalinização do meio.

Assim, a ação da amônia é indireta pela interação da urina com as fezes pois, com o aumento do pH, as proteases e lipases tornam-se mais ativas e lesam ainda mais a pele já tumefata e danificada.

A amônia também é responsável pelo odor amoniacal percebido principalmente na primeira troca da manhã.

Papel das fraldas: as fraldas úmidas promovem aumento da hidratação, alterando as propriedades de barreira da pele, tornando-a suscetível a danos mecânicos, irritantes químicos e enzimáticos.

As fraldas de pano condicionam maior umidade do que as descartáveis, porém estas últimas são envolvidas por material impermeável, o que aumenta a oclusão e diminui a evaporação da água da pele

Papel da dieta: o pH exerce efeitos sobre a regulação da atividade das enzimas fecais.

O leite materno tem papel protetor, pois o predomínio no intestino dos bacilos bífidos determina um pH mais ácido nas fezes. Enquanto que nas crianças amamentadas com os derivados do leite de vaca, a intensa colonização do intestino grosso por enterobactérias e bacteroides determina pH alcalino, que eleva os níveis de urease fecal.

Papel dos microorganismos: a influência de agentes como a Cândida e as bactérias na gênese da dermatite de fraldas é discutível.

A Candida invade a pele sã pela ação das queratinases e ativa a via alternativa do complemento, contribuindo para a inflamação.

Todos esses fatores associados podem levar à alteração da função de barreira da pele, facilitando a penetração de irritantes e proliferação de microrganismos que irão determinar a inflamação característica da dermatite de fraldas.

O melhor tratamento é a prevenção.

Isso envolve uma higiene adequada, trocas de fraldas frequentes de forma a reduzir a exposição da pele à urina e às fezes sob oclusão.

A exposição da pele do períneo ao ar pelo maior tempo possível, a fim de reduzir o contato direto da pele com o tecido úmido e a fricção.

A higiene da área das fraldas tem sido alvo de muita controvérsia. Enquanto alguns pediatras e textos médicos orientam que a higiene seja realizada apenas com água e algodão, a disponibilidade de inúmeros produtos para a limpeza dessa região torna a escolha difícil e abre espaço para a discussão de sua aplicabilidade, tolerância e possível alergenicidade.

É sabido que a pele da criança possui diferenças em sua espessura, pH, perda transepidérmica de água e função de barreira e que esses fatores têm papel importante na escolha dos produtos a serem utilizados.

O pH da pele é ácido e a maioria dos sabonetes são o resultado de uma reação química (saponificação) entre um ácido graxo e uma base alcalina. Muitos sabonetes possuem um pH alcalino que pode ser lesivo para a pele.

A limpeza com água e algodão, é eficaz e inócua?

A limpeza com água e algodão é a forma mais utilizada na higiene da área das fraldas. Entretanto, a natureza polar da água limita sua habilidade em remover as substâncias lipofílicas da pele e a água é incapaz de tamponar o pH. Assim, a água pode ter um impacto negativo na fisiologia da pele e há autores que discordam da vantagem que ela poderia ter sobre outros modos de limpeza.

O que são os lenços umedecidos?

Os lenços umedecidos modernos consistem de um “não-tecido” embebido em uma loção oleosa ou aquosa. As loções água/óleo geralmente são enriquecidas com emolientes, surfactantes e podem conter diferentes aditivos e fragrâncias.

Como eles possuem base aquosa, um preservativo é utilizado para que não haja contaminação bacteriana e fúngica. Vários produtos foram desenvolvidos para uso específico na pele sensível, inclusive com alguns trabalhos realizados em crianças portadoras de dermatite atópica, demonstrando sua tolerabilidade nas peles sensíveis.

Já foi constatado que o uso destes produtos não altera significativamente a flora bacteriana periuretral, quando comparados à limpeza habitual com água e algodão.

Um estudo comparativo entre a limpeza com água e o uso de lenços umedecidos em recém-nascidos demonstrou que a perda transepidérmica de água nos dois grupos foi fisiológica, embora menor no grupo que utilizou os lenços.

Em outro estudo com 280 bebês, os autores concluem que o uso de lenços especificamente formulados possui um efeito equivalente na hidratação quando comparado ao método clássico de limpeza com algodão e água.

O uso de lenços umedecidos já foi relacionado a processos irritativos e alérgicos, tanto em crianças como em adultos, mas o avanço na compreensão da fisiologia, microbiologia e imunologia da área das fraldas tem sido importante para o desenvolvimento de produtos cada vez mais adequados para a utilização na faixa etária pediátrica.

A relação entre dermatite de contato e preservativos está bem estabelecida. Devido às suas propriedades antimicrobianas, esses agentes são frequentemente encontrados em cremes, loções, produtos cosméticos e agentes limpadores.

Essas substâncias também podem ser encontradas nos lenços umedecidos resultando em reações nos locais de utilização. As reações alérgicas a estes produtos tem sido mais descritas em adultos do que em crianças e isso pode ser resultado de um sistema imunológico ainda imaturo, da falta de exposição ambiental aos antígenos envolvidos ou ainda ser clinicamente não detectada ou confundida com as dermatites irritativas da área das fraldas.

Há, ainda, relatos de dermatite de contato às fragrâncias utilizadas em alguns lenços umedecidos e reações sistematizadas urticariformes em crianças alérgicas ao leite de vaca após a utilização de lenços umedecidos contendo proteínas lácteas.

O que são syndets?

O termo “syndet” deriva da combinação entre “sintético” e “detergente”.

Tecnicamente, esses detergentes possuem afinidade pelo óleo e “englobam” a sujeira que é, então, removida pela água. Os detergentes usados nestes géis ou barras de limpeza são surfactantes.

Outras substâncias encontradas nos syndets são emulsificantes, umectantes e preservativos. Esses produtos podem ser utilizados como substitutos do sabonete pois promovem uma limpeza mais suave, com menor risco de alteração do pH e da função de barreira. Entretanto, devido ao poder irritante destes surfactantes aniônicos, estes produtos podem ser lesivos para peles muito sensíveis.

Resumindo, a limpeza da área das fraldas pode ser feita com água e algodão (e esta é a orientação de grande parte dos pediatras); com lenços umedecidos, principalmente os que utilizam tecnologia moderna com menos produtos químicos e preferencialmente os sem perfume ou ainda com Syndets.

Após a limpeza, a área deve ser secada suavemente, sem esfregar.

A aplicação dos cremes de barreira (geralmente à base de óxido de zinco) determina a formação de uma película protetora que impedirá a ação das enzimas sobre a pele e limitará a fricção.

Assim, na rotina, os cremes de barreira devem ser utilizados de forma a prevenir a dermatite de fraldas e não apenas quando já houver sinais de irritação local.

Já os cremes contendo medicamentos como nistatina, corticosteroides e anti-bacterianos só devem ser usados se necessário, com orientação médica e quando houver evidência de infecção ou inflamação, preferencialmente evitando-se os produtos com associações.

A associação de medicamentos facilita a ocorrência de dermatite de contato e a aplicação várias vezes ao dia pode trazer complicações, inclusive Cushing, principalmente porque os corticosteroides presentes nestes produtos são de alta potência e utilizados em área sob oclusão, o que aumenta mais ainda a sua absorção.

Tratamento

O manejo da dermatite de fraldas é direcionado à manutenção da área limpa e seca e à limitação da irritação e maceração.

Orientação da higiene da área das fraldas, com água morna nas trocas associada a um limpador suave (syndet) com enxágue abundante na presença de fezes ou lenço umedecido próprio para recém-nascidos sem perfume e sem álcool. Evitar a fricção no momento da limpeza.

  • Troca frequente das fraldas, de 5 a 6 vezes ao dia e sempre que necessário.
  • É importante que as medicações tópicas utilizadas não sejam cáusticas e tenham mínima possibilidade de provocar dermatite de contato.
  • Os cremes de barreira, como aqueles à base óxido de zinco devem ser utilizados em todas as trocas de fraldas, evitando-se a retirada excessiva da pomada pois isso pode levar à maior lesão da pele e à remoção da camada de reepitelização em formação.
  • Alguns estudos têm preconizado o uso de óleos de sementes, que além de se constituírem em camada protetora, aceleram a reepitelização. Esses produtos formam um filme lipídico sobre a superfície da pele que a protege e sob o qual a pele se recompõe e é protegida contra a ação os irritantes.
  • A completa remoção do creme de barreira a cada troca não é necessária pois pode provocar maior dano à pele e esta deve ser limpa sem esfregar, mas com batidas suaves.
  • O avanço na tecnologia de fabricação das fraldas com utilização do gel absorvente, que permite uma maior absorção da urina, e do formato anatômico, que reduz a hiperhidratação da pele pela menor oclusão, determina uma menor incidência da dermatite de fraldas.
  • Lactobacilos acidófilos ou probióticos podem ser úteis na tentativa de restabelecer o pH ácido das fezes e normalizar a flora intestinal, principalmente em casos de diarreia.
  • Medicamentos antifúngicos e antibióticos só devem ser utilizados se infecção confirmada clínica ou laboratorialmente.
  • Quando o processo inflamatório é importante, pode estar indicado o uso de corticoides tópicos de baixa potência, por um período curto de tempo, uma vez que a absorção do medicamento é bastante aumentada pela oclusão e hidratação proporcionadas pela fralda.
  • Os produtos com associações de medicamentos (corticoides, antifúngicos e antibióticos) NÃO DEVEM SER aplicados na área das fraldas.
  • Os corticoides existentes nessas associações geralmente são de alta potência e, sob oclusão, podem ter sua absorção aumentada em até 10 vezes.
  • Os antibióticos e antifúngicos podem causar dermatites de contato e a repetição da aplicação desse tipo de medicação a cada troca de fralda pode aumentar a incidência de efeitos colaterais e absorção dessas substâncias.
  • Como a desidratação da área das fraldas é rápida, ou seja, 5 minutos após a retirada das mesmas o grau de hidratação da pele já atinge os valores normais, deve-se aguardar algum tempo antes da colocação da fralda seca a fim de diminuir a hiperhidratação acumulativa entre as trocas.

Finalmente, vale a leitura do Documento do Departamento Científico de Dermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia:

Dermatite da área das fraldas