Alergia alimentar

Alergia Alimentar
Abordagem prática
Wellington G. Borges e Departamento de Alergia e Imunologia
Sociedade Brasileira de Pediatria

Conceito
Alergia alimentar é uma entidade clínica resultante de reações imunológicas após a ingestão de proteínas alimentares, em indivíduos previamente sensibilizados. Ocorre em cerca de 8% das crianças1.

Causas
Os alimentos mais freqüentemente envolvidos são o leite de vaca, ovo, trigo e soja, sendo responsáveis por cerca de 90% dos casos2.

A maioria das reações ocorre devido à sensibilização a apenas um ou dois alimentos. Pacientes portadores de alergia a três ou mais alimentos diferentes são menos frequentes2.

A lactose, por ser um carboidrato, não provoca alergia e sim intolerância, por deficiência da enzima de –lactase.

O número de aditivos alimentares (incluídos os corantes) implicados em reações alérgicas é muito pequeno3.

Manifestações Clínicas
Baseando-se na classificação de Gell & Coombs, há três tipos de manifestações1:
1. Mediadas por IgE ou imediatas, que ocorrem dentro de minutos até 2 horas após a ingestão do alimento. As manifestações incluem urticária e angioedema, hipersensibilidade gastrointestinal imediata, síndrome oral alérgica e anafilaxia. São as formas mais comuns de alergia alimentar1.
2. Não-mediadas por IgE ou tardias, que surgem horas após ingerir o alimento. As manifestações são doença celíaca, enteropatia induzida por proteína, dermatite herpetiforme e síndrome de Heiner.
3. Mistas, cujas manifestações são dermatite atópica, esofagite eosinofílica, gastrite e enterocolite eosinofílicas e asma.

Descrição das manifestações clínicas

As manifestações cutâneas e gastrointestinais são as mais frequentes4.

Urticária é caracterizada por eritema, pápulas e prurido cutâneos. O angioedema é o mesmo fenômeno da urticária, porém acometendo a derme, levando ao edema de pálpebras, lábios, língua, bolsa escrotal e de mãos e pés. A dermatite atópica é a manifestação alérgica mais pruriginosa, podendo levar a escoriações e assumindo uma distribuição característica em flexuras, nos pacientes maiores.

A síndrome oral alérgica é de início rápido, com prurido e desconforto nos lábios, língua e orofaringe, podendo haver sensação de aperto na garganta e angioedema.

Alguns pacientes apresentam vômitos de início súbito, bem como diarreia e dor abdominal.

A alergia alimentar é responsável por 50% dos casos de anafilaxia, com hipotensão arterial, arritmia cardíaca e comprometimento respiratório. Anafilaxia associada ao exercício ocorre com a realização de exercício físico 2 a 4 horas após a ingestão do alimento causal. Durante o repouso, o mesmo alimento não causa sintoma algum5.
Asma é rara como manifestação isolada de alergia alimentar. Geralmente, acompanha sintomas cutâneos e gastrointestinais4.
Vários estudos já foram publicados tentando associar otite média recorrente ou sintomas nasais crônicos com a sensibilidade a alimentos. Entretanto, ainda não dispomos de trabalhos de qualidade que deem sustentação para esta associação.2

A cólica afeta 40% dos lactentes, mas apenas 5% podem ter sua etiologia determinada. O papel do alimento como causador de cólicas é controverso. O tratamento de lactentes com cólica, utilizando fórmulas hipoalergênicas, apresentou resultados pobres6.

A enteropatia induzida pelo leite de vaca apresenta-se com vômitos, diarreia, malabsorção e redução do ganho ponderoestatural. A perda de proteínas pode ser evidenciada pela excreção fecal aumentada de alfa 1 anti-tripsina.

A proctocolite alérgica apresenta-se com diarreia leve e sangramento retal, porém com preservação do estado geral. Afeta lactentes exclusivamente com leite materno ou em uso de fórmulas lácteas e pode surgir nos primeiros dias de vida.
Há controvérsias quanto ao papel da alergia alimentar na constipação intestinal.

Diagnóstico

HISTÓRIA CLÍNICA

A história clínica tem baixo poder de resolução diagnóstica. Deve-se questionar:

a. Qual alimento é suspeito de provocar a reação;
b. O intervalo entre a ingestão do alimento e o surgimento dos sintomas;
c. Quais foram os sintomas;
d. Se os sintomas ocorrem sempre que o alimento é ingerido;
e. Se há melhora ou desaparecimento dos sintomas após a suspensão do alimento suspeito;
f. Se há re-surgimento dos sintomas após a re-introdução (acidental ou provocada) do alimento suspeito.

A descrição dos sintomas deve ser compatível com as manifestações de alergia alimentar, descritas anteriormente.
O exame físico é útil para caracterizar as manifestações tipicamente alérgicas.

TESTES CUTÂNEOS
Os testes cutâneos imediatos devem ser realizados por alergista. Isoladamente não confirmam o diagnóstico. Apenas detectam a presença de anticorpos IgE específicos para os alimentos testados, demonstrando sensibilização.
Devem ser testados apenas os alimentos suspeitos. Painéis de testes com inúmeros alimentos não devem ser realizados. A positividade do teste cutâneo pode persistir por muito tempo após o desaparecimento do quadro clínico.
Os testes cutâneos de contato com alimentos têm a finalidade de investigar as reações tardias, mediadas por células T. Serão necessários mais estudos controlados, utilizando esse método, para se estabelecer sua aplicabilidade7.

DOSAGEM DE IGE ESPECÍFICA
Os testes in vitro (Unicap®) servem para dosar a IgE específica para os alimentos suspeitos. Também não têm valor diagnóstico, apenas demonstram se o paciente tem IgE específica para determinado alimento.
Painéis de testes para inúmeros alimentos não devem ser realizados, pois pode haver resultados positivos que não se relacionam às manifestações clínicas.

DIETA DE EXCLUSÃO
Frente uma história e exame físico sugestivos de alergia alimentar, deve ser realizada dieta de exclusão do alimento suspeito. A dieta de exclusão deve ser realizada com número limitado de alimentos (1 a 3) e de acordo com a história clínica.
Após duas a seis semanas de exclusão, os sintomas devem desaparecer. Se os sintomas desaparecerem, um teste de provocação oral deve ser feito para se confirmar o diagnóstico.3

Atenção! Crianças não devem ser submetidas a dietas de exclusão prolongadas sem provocação oral que confirmem, definitivamente, que as manifestações clínicas foram provocadas pelo alimento excluído. Para crianças exclusivamente alimentadas com leite materno, deve-se suspeitar de sensibilização através do leite materno. Nestes casos a mãe deve submeter-se à dieta de exclusão do alimento suspeito.
TESTES DE PROVOCAÇÃO ORAL

Uma vez que os sintomas e sinais desaparecem após a exclusão do alimento suspeito, faz-se a provocação oral administrando o mesmo alimento ao paciente. O teste é considerado positivo se os sintomas ressurgem, tal como eram antes da eliminação do alimento da dieta.

Os testes de provocação oral são padrão-ouro para comprovação diagnóstica. Também são úteis para se constatar se o paciente já se tornou tolerante ao alimento. São contra-indicados quando há história recente de reação anafilática grave e devem ser realizados em ambiente hospitalar.

ENDOSCOPIA E BIÓPSIA

São úteis para avaliar pacientes com manifestações não mediadas por IgE.

Tratamento

A forma mais eficaz de tratamento de alergia alimentar é excluir totalmente da dieta do paciente o alimento identificado. Até o momento, não se aplicam vacinas orais para tratamento de alergia alimentar.
Fórmulas lácteas extensamente hidrolisadas devem substituir o leite de vaca. As fórmulas hipoalergênicas (HA) não são isentas de alérgenos, sendo passíveis de provocar reações em indivíduos sensibilizados.
Fórmulas de soja são freqüentemente utilizadas como substitutas de fórmulas do leite de vaca, porém não são adequadas para menores de seis meses de idade.

Noventa por cento dos pacientes alérgicos ao leite de vaca toleram muito bem a carne bovina.
A hipersensibilidade alimentar pode desaparecer com a idade, mesmo nos casos de reações graves1. Deve-se tentar re-introduzir o alimento a cada 6 a 12 meses de dieta de exclusão, para verificar se o paciente já desenvolveu tolerância.

Cuidado: Dietas de exclusão múltiplas e prolongadas podem acarretar problemas nutricionais sérios.

Crianças com histórico de anafilaxia devem ter epinefrina auto-injetável sempre à disposição.
Anti-histamínicos são úteis apenas para diminuir o prurido da urticária e dermatite atópica. Eles não são capazes de impedir uma reação a um alimento. O mesmo ocorre com os corticosteróides.
Ainda não dispomos de pesquisas avaliando o risco dos alimentos geneticamente modificados (transgênicos).

Prevenção

Dietas de exclusão alimentar durante a gestação não se mostraram eficientes na prevenção da doença alérgica do lactente de risco para atopia. Denomina-se lactente de risco aquele com parentes de primeiro grau atópicos (pais ou irmãos).
O aleitamento materno deve ser exclusivo até os seis meses. Após este período, os alimentos apropriados para a faixa etária podem ser introduzidos, de maneira gradativa, como para qualquer outro lactente.
4
Quando encaminhar para o alergista
a. Quando houver falhas ao tratamento instituído.
b. Quando houver história de anafilaxia ou internação.
c. Quando houver necessidade de testes alérgicos, para esclarecimento diagnóstico e orientação.
d. Para realização dos testes de provocação oral.
Referências
1. Sampson HA. Update on food allergy. J Allergy Clin Immunol 2004;113:805-19.
2. Sampson HA, Scanlon SM. Natural history of food hypersensitivity in children with atopic dermatitis. J Pediatr. 1989 Jul;115(1):23-7.
3. Fuglsang G, Madsen C, Saval P, Osterballe O. Prevalence of intolerance to food additives among Danish school children. Pediatr Allergy Immunol. 1993 Aug;4(3):123-9.
4. Bock SA, Atkins FM. Patterns of food hypersensitivity during sixteen years of double-blind, placebo-controlled food challenges. J Pediatr 1990;117:561-7.
5. Castells MC, Horan RF, Sheffer AL. Exercise-induced Anaphylaxis. Curr Allergy Asthma Rep. 2003 Jan;3(1):15-21.
6. Castro-Rodríguez JA, Stern DA, Halonen M, Wright AL, Holberg CJ, Taussig LM, Martinez FD. Relation between infantile colic and asthma/atopy: a prospective study in an unselected population. Pediatrics. 2001 Oct;108(4):878-82.
7. Roehr CC, Reibel S, Ziegert M, Sommerfeld C, Wahn U, Niggemann B. Atopy patch tests, together with determination of specific IgE levels, reduce the need for oral food challenges in children with atopic dermatitis. J Allergy Clin Immunol. 2001 Mar;107(3):548-53.
Leitura recomendada
1. Burks W. Current understanding of food allergy. Ann NY Acad Sci 2002;964:1-12.
2. Heine RG, Elsayed S, Hosking CS, Hill DJ. Cow´s milk allergy in infancy. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2002;2:217-25.
3. James JM. Food allergy and the respiratory tract. Curr Allergy Rep. 2001;1(1):54-60.
4. Sampson HA. Food allergy. Part 1: immunopathogenesis and clinical disorders. J Allergy Clin Immunol. 1999;103(5 Pt 1):717-28.
5. Sampson HA. Food allergy. Part 2: diagnosis and management. J Allergy Clin Immunol. 1999;103(6):981-9.
6. Sicherer SH, Sampson HA. Food allergy. J Allergy Clin Immunol. 2006 Feb;117(2 Suppl Mini-Primer):S470-5. Review.
7. Burns DAR e Borges WG. Reações Adversas a Alimentos e Aditivos Alimentares. In: Lopez FA e Campos Jr D. Tratado de Pediatria. 2ª Ed. Seção 10. Capítulo 9, pg 591-9. Barueri, SP: Manole, 2010.
1. Dieta de exclusão para eliminar os sintomas.
2. Reintroduzir o alimento para verificar se os sintomas são reproduzidos.
3. Se os sintomas re-aparecem, excluir o alimento por três meses.
4. Após este intervalo, re-administrar o alimento novamente, para verificar o re-surgimento dos sintomas.
5. Se os sintomas retornam, suspender o alimento da dieta e encaminhar o paciente para o alergista.

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