Treinamento esfincteriano

O treinamento esfincteriano (TE) é um marco importante do desenvolvimento físico e psicológico em crianças, além de constituir um desafio para as famílias, pois ocorre quando a criança necessita de autoafirmação e há expectativa das famílias de que a continência ocorra o mais breve possível.

O TE representa um processo complexo que pode ser afetado pelas condições anatômicas, fisiológicas e comportamentais e as normas aceitas para a aquisição do TE relacionam-se mais com as diferenças culturais do que com as evidências científicas.

Quando a criança se conscientiza sobre sua própria necessidade de eliminar urina e fezes ela já pode ser considerada “treinada” para o controle e, então, pode iniciar o ato sem um lembrete ou um preparo por parte dos pais.

O controle da evacuação, em geral, precede o controle da micção. Os métodos para aquisição do TE têm variado ao longo dos anos e a Abordagem Orientada para a Criança indicada pela Academia Americana de Pediatria (AAP), mais comumente utilizada no mundo ocidental, recomenda que as crianças não sejam forçadas a iniciar o processo de TE até que apresentem os sinais de prontidão e que os pais estejam orientados para reconhecer esses sinais.

Nos últimos 50 anos, a média de idade na qual as crianças com desenvolvimento neuropsicomotor normal completam o TE aumentou de 24 meses para 36 a 39 meses.

O uso de fraldas descartáveis, pais que trabalham fora com menos tempo para orientar o TE dos seus filhos e a disponibilidade cada vez mais ampla de informações sobre técnicas da abordagem orientada para a criança são as possíveis explicações sugeridas para tal fenômeno de aumento na idade do TE.

No Brasil, a média de idade de início do processo do TE é em torno dos 22 meses e a média de conclusão aos 27,4 meses, ocorrendo mais precocemente nas meninas. O prazo de duração do processo fisiológico de TE pode variar entre 6 e 12 meses.

Já foi relatado que a ausência dos sinais de prontidão para o TE entre os 24 e 36 meses de idade está associada ao aparecimento de disfunção da bexiga e do intestino, de infecções do trato urinário e da recusa para ir ao banheiro.

Observa-se também maior prevalência de disfunção vesical em crianças que apresentam constipação intestinal funcional e que iniciam o TE precocemente, antes de 24 meses ou tardio, após 36 meses de idade.

No entanto, segundo a literatura, não existe correlação entre o método utilizado, a idade de término do TE aos 24 meses e o aparecimento de sintomas do trato urinário inferior.

O objetivo deste estudo é apresentar de forma prática os métodos mais utilizados para TE no nosso meio, as peculiaridades do processo e os problemas mais comuns associados. As orientações práticas aqui apresentadas para pediatras e pais têm o intuito de tornar esse processo mais eficiente e menos desgastante, envolvendo a criança e a família de forma ativa.

Quando a criança está pronta para iniciar o processo de treinamento esfincteriano?

  • Avaliação dos Sinais de Prontidão

A literatura pediátrica enfatiza a importância de a criança apresentar os sinais de prontidão, ou seja, habilidades físicas e psicológicas específicas antes de iniciar o TE.

As crianças com desenvolvimento neuropsicomotor normal começam mostrar as habilidades de prontidão e a maturidade física necessária para o TE geralmente entre 24 e 36 meses de idade.

É importante ressaltar que toda criança tem um desenvolvimento individualizado e, portanto, somente a idade não é um bom critério para decidir o momento de iniciar o TE. Apesar dessa importância percebida, os testes de rastreamento do desenvolvimento neuropsicomotor comumente usados em pediatria não fazem referência a alguma habilidade específica para TE.

Os principais sinais de prontidão estão relacionados à capacidade da criança de:

  1. Imitar o comportamento dos pais ou de cuidadores.
  2. Desejar agradar.
  3. Desejar ser autônoma: insistir em concluir tarefas sem ajuda e orgulhar-se de novas habilidades.
  4. Andar e estar apta a sentar-se de modo estável e sem ajuda.
  5. Pegar pequenos objetos.
  6. Ser capaz de dizer NÃO, como sinal de independência.
  7. Entender e responder a instruções e seguir comandos simples.
  8. Saber puxar as roupas para cima e para baixo.
  9. Possuir um vocabulário simples referente ao treinamento esfincteriano.
  10. Usar palavras, expressões faciais ou movimentos que indicam a necessidade de urinar ou evacuar.
  11. Mostrar interesse em outras pessoas que estejam usando o banheiro
  12. Ficar seca por duas horas ou mais durante o dia.
  13. Dizer que está “fazendo xixi” no momento da micção, em geral, nos banhos.
  14. Dizer aos pais que acabou de urinar ou evacuar em pequena quantidade na fralda e se incomodar com a fralda molhada. Tentar retirar fralda molhada ou pedir para ser trocado (consciência física).
  15. Não querer usar fraldas ou mostrar interesse em cuecas ou calcinha.
  16. Conseguir ficar parada no penico ou vaso sanitário por 3 a 5 minutos.
  17. Permanecer brincando com a mesma atividade por mais de 5 minutos.
  18. Ser capaz de apontar o que deseja.
  19. Ter iniciado a comunicação por palavras ou frases simples.
  20. Não apresentar atrasos nos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor segundo escalas validadas internacionalmente.
  21. Compreender e seguir comandos simples.

Método: a abordagem orientada para a criança

A abordagem orientada para a criança, apoiada pela literatura e recomendada pela AAP, enfatiza que o processo de TE somente deverá ser iniciado quando a criança apresentar os sinais de prontidão.

A AAP recomenda somente o uso de elogios para reforço, desencorajando o uso de guloseimas ou recompensas materiais, como brinquedos.

Por volta dos 24 meses de idade, os sinais de prontidão para o TE da criança deverão ser avaliados pelo pediatra, tendo em mente as diferenças culturais.

Os pais e os cuidadores necessitarão estar disponíveis e motivados para iniciar o TE, assegurando que o tempo seja reservado para o processo inclusive com as adequações necessárias à rotina familiar.

O processo de TE não deverá ser iniciado em um momento de estresse da vida da criança ou da família (por exemplo, após uma mudança de casa ou após o nascimento de um novo irmão) e os pais deverão estar preparados emocionalmente para lidar com tranquilidade com as perdas urinárias e fecais inevitáveis, que ocorrerão até o final do processo de TE.

O ideal é que, em caso de a criança frequentar escola ou creche, que o TE seja iniciado de forma concomitante em todos os ambientes.

Instrumentos para o processo de treinamento

Penico ou vaso sanitário?

Antes de iniciar o processo do TE os pais precisarão decidir qual instrumento será utilizado: penico ou vaso sanitário.

O penico é geralmente preferido nos primeiros estágios do processo, pelo fato das crianças se sentirem mais seguras, não necessitar de redutor para o vaso sanitário, as pernas ficarem bem apoiadas, o dispositivo pode ter motivos lúdicos, poder ser deslocado para outros ambientes.

O penico também fornece a melhor posição biomecânica para a criança. O fundamental é tornar o processo de TE fácil e o mais divertido possível para a criança, sem qualquer forma de cobrança. Apesar de o penico ser preferível, algumas crianças gostam de imitar os pais e preferem os vasos sanitários. Nesses casos esses podem ser utilizados para o TE, desde que os pés fiquem apoiados e haja um redutor.

  1. Penico

O equipamento na abordagem orientada pela criança é o penico, considerado uma ferramenta que auxilia na avaliação dos sinais prontidão. Os pais deverão apresentar o penico como objeto pessoal da criança.

Ele deverá ser escolhido junto com a criança e colocado em um local conveniente para que ela se sinta atraída a usá-lo. A criança deve ser ensinada a observar, tocar e familiarizar-se com o penico bem antes de seu uso ser encorajado, em um momento prazeroso e lúdico. Quando a criança começar a mostrar interesse em usar o penico, os pais devem deixá-la sentar-se sobre ele totalmente vestida, para evitar um desconforto inicial e gerar confiança, sem criar nenhuma expectativa.

Nunca forçar a criança a sentar-se ou permanecer sentada no penico.

Em seguida, a criança é incentivada a sentar-se no penico após a remoção de uma fralda molhada ou com fezes. Para ajudar a criança na conceituação e compreensão do processo, os pais podem ser ensinados a demonstrar o propósito do penico, por exemplo, depositando nele o conteúdo de fraldas sujas.

Finalmente, a criança é encorajada a desenvolver uma rotina de sentar-se no penico em horários específicos do dia (por exemplo, depois de acordar de manhã, após as refeições ou lanches, antes de dormir). É importante elogiar a criança sempre que ela se sentar no penico.

Uma vez que a criança usou o penico com sucesso por uma semana ou mais, pode-se desfraldar a criança. Existem calças de treinamento (laváveis e reutilizáveis) que podem facilitar o processo para os pais. O ideal é que o treinamento esfincteriano seja completo e que se evite usar a fralda durante o dia, o que pode confundir a criança e dificultar o processo.

Perdas urinárias ou fecais são inevitáveis, e os pais precisam ser compreensivos e mostrar à criança que isso pode acontecer. Importante sempre demonstrar naturalidade e evitar criticar ou repreender a criança nessas situações de perdas.

A transição para o vaso sanitário somente deverá ser iniciada quando a criança estiver segura e treinada no uso do penico.

Na maioria das vezes, a criança senta-se com mais facilidade no penico e sente-se mais segura por não ser tão alto e não ter água no fundo. Além disso, será mais fácil levá-lo quando a criança estiver fora de casa.

O penico deve ser colocado em algum lugar de rápido alcance da criança, porque no início do processo, há pouca percepção sobre a eliminação de pequena quantidade de urina ou fezes. Uma boa estratégia é a criança escolher o tipo de penico que irá usar.

  1. Vaso sanitário

Caso os pais e a criança optem pelo vaso sanitário é necessário colocar um redutor de assento de vaso sanitário e um apoio para os pés para que fiquem firmes e seguros.

Um banco elevado será usado tanto para a criança alcançar o assento, quanto para apoiar os pés enquanto estiver sentada, dando a sensação de que ela pode sair quando for preciso e auxiliando-a na posição mais fisiológica para a evacuação.

Algumas crianças têm medo de cair no vaso sanitário (mesmo com o redutor de assento) e do barulho da descarga de água. É importante orientar que, nesses casos, usar um penico pode ser mais fácil.

Como a criança aprende muito pelo exemplo, os pais devem demonstrar como eles usam o vaso sanitário. Repetir as demonstrações faz a criança ganhar segurança.

Muitas vezes, os pediatras são questionados sobre o melhor momento e método para o aprendizado do TE. Alcançar esse marco de desenvolvimento pode ser complexo, tanto para a criança, quanto para os pais. Para ajudar a facilitar o processo de TE, os pediatras devem informar aos pais sobre o método, capacitando-os para perceber o momento e a forma ideal.

Antes do início do TE, o pediatra deve avaliar a criança quanto aos sinais de prontidão com o intuito de ajudar os pais a planejar esse período de transição, além de definir se a criança apresenta algum quadro clínico que pode interferir com o treinamento.

Também é importante considerar o temperamento de cada criança e a hora do dia em que ela é mais acessível e cooperativa. Se a criança for tímida e retraída, ela pode precisar de apoio e incentivo adicionais.

É fundamental entender o nível de frustração da criança e estar pronto a apoiá-la e tranquilizá-la a cada passo.

É importante que, na presença de constipação intestinal funcional, o tratamento dessa condição seja instituído antes do início do processo do TE. É fundamental, verificar a consistência das fezes da criança pela Escala de Bristol Modificada para a Criança.

A consistência endurecida (Bristol 1 e 2) pode tornar o processo de evacuação difícil e doloroso. Dieta rica em fibras, quantidade reduzida de produtos lácteos associada à ingestão hídrica adequada pode auxiliar para a obtenção da consistência fecal normal (Bristol 3 e 4), manter os movimentos intestinais regulares e uma fácil eliminação das fezes.

Ressalta-se que se a criança se sentir pressionada, se os pais se referem às eliminações como algo inadequado, sujo, e de odor ruim, ou se o processo de TE for estressante, ela pode começar a reter a urina ou fezes. Nesses casos, o processo deve ser interrompido e deve-se aguardar o momento no qual a criança ou a família esteja mais receptiva para reiniciar o treinamento.

Orientação aos pais para o processo do treinamento esfincteriano.

Como já mencionado, o TE inclui reconhecer a vontade de urinar e evacuar, despir-se, andar até o penico ou vaso sanitário, limpar-se, vestir-se, sendo fundamental reforçar o sucesso da criança em cada passo. Quanto mais pronta a criança estiver ao iniciar, mais rapidamente concluirá o processo de TE. O sucesso inicial depende da compreensão da criança sobre o uso do banheiro.

As orientações aos pais consistem em:

  1. Incentivá-los a conversarem entre si sobre como farão para ajudar a criança a iniciar e completar o TE. Escolher um horário em que os mesmos tenham tempo e paciência para dar a atenção necessária. Os finais de semana e feriados deverão ser bem aproveitados, caso algum dos pais estiver de folga do trabalho.
  2. Solicitar que oriente aos demais cuidadores que a criança se encontra em processo de TE e que o sucesso depende muito da continuidade e da atitude dos adultos. Evitar que a escola defina o período de TE em conjunto na sala, sem individualizar cada criança em relação à sua idade, seu desenvolvimento e a presença dos sinais de prontidão.
  3. Auxiliar a criança a preparar-se para o processo do TE, mostrando a ela que urinar e evacuar são normais a todas as pessoas. Pode-se usar a expressão: “a partir de hoje você vai fazer xixi e cocô (ou urinar e defecar) igual a gente grande, igual ao papai e à mamãe”.
  4. Incentivar a criança a acompanhar os pais ao banheiro e conversar sobre a sua utilização.
  5. Ensinar à criança as palavras necessárias para o processo do TE. Estabelecer uma conversa padrão no banheiro. Alguns especialistas recomendam usar palavras formais (defecar, urinar) em vez de jargões, para que as crianças não fiquem constrangidas com termos infantis quando forem mais velhas – mas o mais importante é ser consistente no seu uso e utilizar uma forma de comunicação que a criança entenda e que consiga se fazer entender em todos os contextos. E nunca se referir ao conteúdo das fraldas com nomes pejorativos ou com desprezo.
  6. Ressaltar sobre a importância de garantir que a área do banheiro seja totalmente sem riscos, com os produtos de limpeza e de higiene pessoal mantidos fora de alcance das crianças. Assentos, penicos e bancos devem ser firmes e seguros. Além de cuidar para que esteja limpo e sem odor desagradável. Algumas crianças relutam ir ao banheiro por causa dessas características.
  7. Vestir a criança com roupas que sejam mais simples de colocar, de retirar e de lavar. O processo de TE será mais fácil nos dias mais quentes, pois menos roupas serão removidas além de não ter a sensação de desconforto da baixa temperatura.
  8. Incentivar a criança a avisar quando da eliminação de urina e/ou fezes, na fralda, mesmo as pequenas quantidades. É fundamental que os pais entendam os sinais que expressam que a criança está prestes a urinar ou evacuar (por ex. cruzar as pernas ou agachar) com a finalidade de guiar a criança para o banheiro ou penico. Muitas crianças apertam os genitais para conter a urina. Sempre que a criança realizar algumas dessas manobras os pais devem levá-la ao penico ou ao toalete, mesmo que ela diga que não está com vontade, de forma carinhosa e com paciência. Os pais precisam estar prontamente disponíveis para atender as demandas, pois o tempo, entre o momento que a criança tem a sensação que vai urinar ou evacuar e o ato de eliminar propriamente dito, é muito curto.
  9. Para a criança ganhar autonomia para a defecação, convém colocá-la sentada no penico ou vaso sanitário sem fralda, nos horários em que a mesma geralmente evacua, por exemplo, alguns minutos depois de uma refeição. Também colocá-la para urinar depois de uma soneca caso acorde seca é educativo. Não é recomendável manter a criança sentada no penico ou no vaso sanitário por mais de 3 a 5 minutos aguardando a eliminação. Pode parecer uma punição e não a auxilia para a aquisição do TE.
  10. Explicar que a criança ainda não tem as habilidades para realizar a higiene íntima corretamente após urinar ou evacuar. Então será necessário auxiliá-las até que consigam fazer adequadamente sozinhas. Vale a pena ressaltar a importância de ensiná-las a lavar as mãos depois de usar o vaso sanitário ou o penico.
  11. Solicitar e auxiliar os pais a terem paciência durante todo o processo. Pode levar várias semanas para que a criança consiga a aquisição do TE. Expectativas irrealistas dos pais, início do TE muito precoce ou de maneira agressiva poderão determinar redução da autoconfiança da criança.

Importante:

  1. Decida o vocabulário a ser usado.
  2. Assegure-se de que penico ou o vaso sanitário sejam facilmente acessíveis.
  3. Se usar o vaso sanitário, use um redutor de assento e um apoio para pés.
  4. Permitir a criança assisti-lo ao usar o banheiro.
  5. Incentive a criança a avisar quando ela sentir que urinou ou evacuou em pequena quantidade ou quando sentir vontade.
  6. Elogiar o sucesso e a tentativa de avisar mesmo quando ocorreu perda.
  7. Aprender os sinais comportamentais da criança quando ela estiver na iminência de urinar ou evacuar.
  8. Não esperar resultados imediatos; as perdas fazem parte do processo.
  9. Garantir a cooperação de todos os cuidadores para fornecer uma abordagem consistente.
  10. Após sucessos repetidos, usar calças de treino ou roupas íntimas.
  11. Sempre encorajar a criança com elogios e sem guloseimas. Não é permitido qualquer punição e/ou esforço negativo.

Peculiaridades na orientação aos pais: abordagem em meninos e meninas

Meninos

Os pais deverão certificar-se que o menino esteja vestindo calças ou “shorts” com uma cintura elástica que é fácil de puxar para baixo quando for urinar ou evacuar.

No início do processo adotar a posição sentada, tanto para urinar como para evacuar, com o intuito de evitar um fator de confusão.

Gradualmente, durante o processo de TE, poderá urinar em pé, como o pai. É necessário ensinar direcionar a pênis corretamente. O penico é uma ótima ferramenta para ajudar o menino a aprender a direcionar corretamente o pênis para urinar.

Meninas

Orientar as meninas a limpar a região genital iniciando da parte de frente para trás, evitando assim a contaminação da vagina com as fezes. Ensinar também a levantar a saia ou vestido ou baixar o “short” para uso do penico ou vaso sanitário. Duchas vaginais não são aconselháveis.

O processo de treinamento esfincteriano

Aproximadamente 2% a 3% das crianças com desenvolvimento neuropsicomotor adequado e sem doenças crônicas ou neurológicas apresentam problemas durante o processo do TE.

O insucesso do TE é muito frequente quando iniciado na ausência de sinais de prontidão. Se a criança não estiver pronta, as tentativas em concluir o TE não serão eficazes.

Os pais devem ser aconselhados a não se envolver em uma “batalha” com o processo, que prejudica o relacionamento entre pais e filhos, a autoimagem da criança e a aquisição natural do TE.

Outra causa de insucesso ocorre quando o TE é iniciado em apenas um ambiente em que a criança convive; ou quando há falta de homogeneidade na orientação por parte de um dos pais (cada pai orienta de uma forma, ou um permite o uso de fraldas na ausência do outro, ou um é muito exigente e o outro permissivo) ou entre o ambiente casa/escola.

Se uma criança expressar a recusa para o TE, uma pausa de um a três meses é sugerida. Isso permite que a confiança e cooperação sejam restabelecidas entre pais e filhos.

Depois desse intervalo, a maioria das crianças está pronta para reiniciar o treinamento.

Em caso de tentativas repetidas mal sucedidas; crianças com 36 meses ou mais que não apresentam sinais de prontidão; ou 48 meses ou mais sem terem concluído o TE diurno, o pediatra deverá explorar aspectos do relacionamento da criança com os pais, ou mesmo descartar anormalidades físicas e/ou de desenvolvimento neuropsicomotor.

Entre elas podem ser citados: deficiência intelectual, transtornos do espectro autista, transtorno comportamentais, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, espinha bífida oculta ou estigma sacral relacionados com malformação da inervação do trato urinário, bexiga neurogênica, intestino neurogênico, doenças que acometem a medula espinhal e seus ramos para o trato intestinal e urinário, hipotonia, estresse tóxico, abuso sexual, prolapso retal, diarreia crônica etc.

O diagnóstico precoce dessas condições pode evitar consequências psicológicas, emocionais e orgânicas nas crianças. Muitas crianças se escondem enquanto evacuam em suas fraldas durante o processo do TE. Isso pode ocorrer porque preferem defecar sozinhas, têm medo do vaso sanitário ou não gostam do banheiro.

Nas crianças constipadas, o tratamento da constipação resolve a situação. Cerca de 20% das crianças recusam a ser treinadas para a eliminação das fezes durante o processo do TE.

Essa recusa poderá estar associada à retenção fecal, atraso na conclusão do TE e incontinência fecal. É importante que os pais sejam aconselhados a não usar termos pejorativos para as fezes ou para o ato de evacuar, bem como sinais de que possam sugerir nojo relacionado ao ato (como, por exemplo, fralda suja ou com cheiro ruim).

Os problemas mais comuns durante o processo do TE são:

  1. Recusa para treinamento de eliminação das fezes

Diagnosticada quando uma criança treinada para urinar no penico ou vaso sanitário se recusa a evacuar nesses locais por, no mínimo, um mês. Dois comportamentos associados à recusa do treinamento para eliminação de fezes podem exigir a intervenção do pediatra:

  • Retenção de fezes causando constipação intestinal que pode resultar em impactação de fezes no reto e incontinência fecal.
  • Falha na aquisição de treinamento esfincteriano para eliminação de fezes aos 42 meses de idade.
  1. Retenção de fezes

Ocorre quando a criança usa manobras físicas na tentativa de evitar a evacuação. A constrição voluntária do esfíncter durante a contração vesical ou do reto pode levar à constipação intestinal. Os principais sinais de a criança estar constipada são dor à defecação, esforço excessivo no ato ou defecar menos de 4 vezes por semana. As intervenções mais comuns para retenção de fezes incluem tratamento agressivo de constipação e retomada do uso de fraldas.

  1. Esconder-se para eliminar fezes

Algumas crianças que concluíram o treinamento esfincteriano vesical pedem fraldas ou se escondem durante a evacuação ao invés de usar o penico ou vaso sanitário. O início desse comportamento é mais comum em torno dos 22 meses de idade. Geralmente associa-se à retenção de fezes e a desenvolverem constipação intestinal. Há melhora com o tratamento agressivo da “constipação”.

  1. Necessidade do uso de fraldas após completar o TE

Em geral é um sinal de disfunção vésico- -intestinal ou está associada a algum evento estressante na vida da criança. Necessitará de uma investigação mais aprofundada. O prolongamento do TE ou a presença de infeção urinária chama a atenção de que pode estar havendo uma disfunção vesical.

Passos para o sucesso do treinamento esfincteriano:

  1. Procurar por sinais de prontidão.
  2. Falar sobre o banheiro com a criança.
  3. Escolher o penico ou o vaso sanitário com redutor de assento e apoio dos pés adequados a criança.
  4. Escolher o momento certo.
  5. Demonstrar o método.
  6. Realizar o reforço positivo.
  7. Lidar com naturalidade e paciência.
  8. Ensinar a higiene adequada.

Conclusão

O processo de TE mudou significativamente ao longo dos anos e em diferentes culturas. Na cultura ocidental, recomenda-se uma abordagem centrada na criança, na qual as etapas são individualizadas o máximo possível.

Em geral, os pediatras somente são procurados para o aconselhamento sobre o TE quando há problemas no processo. Uma atitude proativa do pediatra com o aconselhamento antecipatório, abordando as percepções e equívocos familiares e auxiliando os pais a desenvolver expectativas razoáveis ajuda para que essa fase do desenvolvimento da criança ocorra da maneira mais tranquila possível.

O ideal é que ocorra uma avaliação sobre as habilidades de prontidão nas crianças aos 24 meses.

Os componentes necessários incluem avaliar os sinais de prontidão da criança, a dinâmica familiar, fornecer educação e apoio e desenvolver metas de curto e longo prazo para acompanhamento.

Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento – Presidente: Liubiana Arantes de Araújo.

Departamento de Urologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Urologia – Coordenador: Atila Victal Rondon.

Autores: Flavia Cristina de Carvalho Mrad, Mônica Maria de Almeida Vasconcellos, José de Bessa Junior, Atila Victal Rondon, Liubiana Arantes de Araújo, Ubirajara Barroso Junior, José Murillo de Basttos Netto, setembro de 2019.