Giardíase

22 A Giardia intestinalis (Giardia duodenalis, Giardia lamblia) é um protozoário da porção superior do intestino delgado.

Negligenciada, segundo a OMS

Constitui causa muito frequente de doença diarreica em grande variedade de espécies animais, incluindo o homem (1, 2). Por ser um parasita frequente em grande parte do planeta, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a giardíase no grupo de doenças negligenciadas (1).

Transmissão

A transmissão da G. intestinalis pode ocorrer após ingestão de cistos infectantes através da água ou de alimentos contaminados, ou por via fecal-oral direta (3).

Sinais clínicos

Os principais sinais clínicos incluem náusea, perda de peso, edema, dor abdominal e diarreia. A infecção por G. intestinalis é multifatorial, envolvendo fatores do parasito e do hospedeiro. Evidências recentes sugerem que a gravidade do quadro clínico difere entre regiões em desenvolvimento e países industrializados (4-7).

Estudos sugerem o envolvimento do parasita em doenças intestinais crônicas, como síndrome do cólon irritável, e em doenças extraintestinais, embora o agente permaneça restrito ao trato intestinal, e há evidências de seu envolvimento no atraso do crescimento em crianças (8, 9).

Epidemiologia

A giardíase está distribuída por todo o planeta, sobretudo em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil sua prevalência varia de 12,4% a 50%, dependendo do estudo, da região e da faixa etária pesquisada, predominando nas crianças entre zero e seis anos.

Estudo feito em Botucatu, SP, revelou acometimento de crianças em faixa etária predominante de um a quatro anos (10).

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Pode ser transmitida por ingestão de cistos que contaminam a água e alimentos (via mais frequente), por contato interpessoal (em enfermos institucionalizados — p. ex., creches e hospitais psiquiátricos) e via sexual (sexo anal/ oral), a qual é teoricamente possível, mas não plenamente aceita por todos os autores.

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Creches, escolas e aglomerados

Aglomerados populacionais com precárias condições sanitárias e o convívio em creches aumentam a disseminação desse enteropatógeno. Em muitas regiões há um pico sazonal simultâneo no verão, relacionado à maior frequência a piscinas comunitárias por crianças de pouca idade, à eliminação de cistos prolongados e à pouca quantidade infectante (11).

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As parasitoses intestinais apresentam alta incidência em creches, sendo um fator de risco de infestação de enteropatógenos entre as crianças que as frequentam (12).

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Estudo realizado em praças públicas detectou esse parasito em fezes de cães, demonstrando o risco de contaminação humana, sobretudo de crianças que têm o hábito de brincar no solo e apresentam distúrbios de perversão do apetite, como a geofagia (hábito de ingerir terra).

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Normalmente os cães infectados não manifestam a doença. No entanto, o parasito é comum em cães e também em gatos com sintomas gastrointestinais, como vômito e/ou diarreia (14). O hábito de defecar em lugares impróprios e com saneamento precário também foi associado à perpetuação do ciclo do agente (15).

Cisto pode durar até 2 meses

Nestes termos, é também importante a atuação de vetores mecânicos, já que o cisto permanece viável no meio ambiente por até 60 dias, sendo destruído em temperaturas superiores a 64°C. Porém sobrevive até 24 horas no trato digestivo de moscas e por vá- rios dias no de baratas.

Atenção especial nos casos de imunodeficiência humana 

A presença de imunodeficiências humorais — como hipogamaglobulinemia comum variável e gamaglobulinemia ligada ao X — é ator predisponente de infecção sintomática crônica por G. intestinalis, corroborando a importância da imunidade humoral contra o agente (11).

Fibrose cística e giardíase

Os pacientes com fibrose cística apresentam elevada incidência de giardíase, devido à maior quantidade de muco no duodeno, o qual protege o parasito das defesas do hospedeiro.

Os bebês alimentados ao seio podem obter proteção através de glicoconjugados e anticorpos de IgA secretória, presentes no leite materno (11).

O agente e seu ciclo biológico

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A Giardia intestinalis é um protozoário flagelado, em forma de pera.

O trofozoíto mede 20 por 10μm, existindo de cada lado um disco em forma de ventosa, por meio do qual se fixa à superfície das células da mucosa intestinal, sendo encontrado em toda a extensão do duodeno. Possui ciclo biológico monoxênico (apenas um hospedeiro definitivo).

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Após a ingestão, os cistos se rompem no duodeno, formando trofozoítos, os quais se multiplicam intensamente.

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14 bilhões de cistos eliminados por dia

Os cistos são eliminados pelas fezes em grande quantidade (300 milhões a 14 bilhões por dia), ocorrendo períodos de interrupção de eliminação de sete a 10 dias.

Os trofozoítos também podem estar presentes nas fezes, mas são os cistos os responsáveis pela transmissão. Os cistos resistem fora do hospedeiro, sobrevivendo em água doce e fria. Entretanto, toleram o aquecimento, a desidratação e a exposição prolongada às fezes (16, 17).

Patogênese

O processo patológico depende do número de parasitos que colonizam o intestino delgado, da cepa do protozoário e do sinergismo entre bactérias e fungos, além de fatores inerentes ao hospedeiro, como hipocloridria e deficiência de IgA e IgE na mucosa digestiva.

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Uma alta carga parasitária pode provocar ação irritativa sobre a mucosa intestinal, levando à produção excessiva de muco e a alterações da produção de enzimas digestivas — principalmente dissacaridases —, ocasionando intolerância ao leite e derivados, além da formação de barreira mecânica. Todos dificultam a absorção (vitaminas lipossolúveis, ácidos graxos, vitamina B12, ácido fólico e ferro).

Lesões nas microvilosidades intestinais

Ocorrem também lesões produzidas pelos trofozoítos fortemente aderidos ao epitélio intestinal ao nível das microvilosidades intestinais, e até invasão da lâmina própria (18). Geralmente não são observadas alterações macroscópicas no intestino, mas em alguns casos crônicos pode-se evidenciar achatamento das microvilosidades ao estudo histopatológico (16).

Aspectos clínicos

A maioria dos casos é assintomática ou oligossintomática, sobretudo em pacientes adultos. Contudo, a doença pode apresentar amplo espectro clínico em crianças ou adultos jovens; as crianças pequenas podem, em raros casos, evoluir com hemorragia retal e fenômenos alérgicos. As manifestações podem surgir de forma súbita ou gradual.

Quadro agudo

Na giardíase aguda os sintomas surgem após um período de incubação, geralmente de uma a três semanas (16).

Quadro crônico

Na giardíase crônica os sintomas podem ser contínuos ou episódicos, persistindo por anos, e o paciente não necessariamente desenvolve manifestações agudas (16). Menos frequentemente pode ocorrer disseminação extraintestinal, na qual os trofozoítos migram para os dutos biliares e pancreáticos (11).

Diarreia = mais comum

A manifestação clínica mais frequente é a síndrome diarreica, caracterizada por diarreia de evolução crônica, contínua ou com surtos de duração variável, acompanhada por cólicas abdominais, com alternância de exonerações normais e constipação intestinal.

As evacuações em geral ocorrem duas a quatro vezes ao dia. As fezes são pastosas, abundantes, fétidas e com predomínio de muco.

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Outras manifestações importantes

Outras apresentações clínicas menos comuns são: síndrome de má absorção, que causa emagrecimento, anorexia, distensão abdominal, flatulência, desnutrição, raquitismo e esteatorreia, além de anemia; síndrome dispéptica, com sensação de desconforto epigástrico, plenitude gástrica pós-prandial, eructações, pirose e náuseas, além de vômitos; e síndrome pseudoulcerosa, constituída por dor epigástrica ou pirose, que melhora com a ingestão de alimentos e retorna com o jejum.

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Diagnóstico

A clínica é inespecífica (19). O diagnóstico definitivo é realizado a partir do encontro dos trofozoítos, cistos ou antígenos de G. intestinalis em qualquer amostra de fezes ou fluido duodenal (11).

No entanto, deve-se ficar atento, pois o diagnóstico de giardíase através da pesquisa de trofozoítos ou cistos apresenta elevada percentagem de resultados falso-negativos (20). Em relação ao laboratório, é importante ressaltar:

— Pesquisa de cistos (em fezes formadas): exame direto (a fresco) ou corado pelo lugol; podem ser também utilizados o método de Faust e colaboradores (método de escolha) ou o de Hoffman, Pons e Janer.

— Pesquisa de trofozoítos (em fezes líquidas): direto a fresco, ou corado pelo lugol, hematoxilina férrica ou mertiolate- -iodo-formol (MIF) (é a rotina, e tem menor custo). Como os trofozoítos são destruídos no meio externo em 15 minutos, é conveniente conservar as fezes com o conservante de Schaudinn ou MIF.

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Recomenda-se a aspiração ou a biopsia do duodeno e do jejuno em pacientes que apresentam manifestações clínicas e exames de fezes para G. intestinalis negativos, como também amostra de fluido duodenal, e se encaixam em um dos seguintes critérios: achados radiológicos (edema, segmentação do intestino delgado), resultado anormal no teste de tolerância à lactose, nível ausente de IgA secretória, hipogamaglobulinemia ou acloridria (11).

Para o procedimento utiliza-se uma amostra fresca, na qual os trofozoítos geralmente são visualizados por exame direto em lâmina, ou através de um método alternativo disponível comercialmente, denominado Entero-Test (11).

Imunosseparação magnética

Hoje também se encontra disponível a técnica de imunosseparação magnética, acoplada à imunofluorescência (IMS-IFA), para detecção de cistos de Giardia lamblia em fezes humanas.

Acredita-se que a eficácia desta técnica seja maior, comparada com a das técnicas parasitológicas de Faust et al. e de Lutz. Além disso, esta metodologia como procedimento de rotina proporciona o processamento de várias amostras simultaneamente, além de aumentar a recuperação de cistos de G. lamblia e reduzir o tempo de estocagem das amostras (21).

ELISA

O teste de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) também se mostrou útil devido a sua alta sensibilidade, que varia de 85% a 100%. Além disso, esse método pode ajudar no diagnóstico eliminando os resultados falso-negativos que ocorrem nos exames microscópicos (22, 23).

Medicamentos podem alterar a forma

Alguns medicamentos, como antimicrobianos, antiácidos, antidiarreicos, enemas e preparações laxativas, podem alterar as características morfológicas do microrganismo, resultando em desaparecimento temporário do protozoário nas amostras de fezes (11, 24).

Tratamento

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O Ministério da Saúde propõe os seguintes tratamentos para a giardíase:

— Secnidazol 2g VO em dose única para adultos, e 30mg/kg ou 1ml/kg para crianças, em dose única, após refeição.

— Tinidazol 2g VO, em dose única.

— Metronidazol 250mg duas vezes ao dia, por cinco dias, para adultos; em crianças, 15mg/kg/dia, VO, divididos em duas tomadas, por cinco dias, não ultrapassando 250mg.

Ensaios clínicos mais recentes

Em revisão recente da literatura, Granados et al. (2012) utilizaram dados de estudos obtidos a partir das fontes the Cochrane Infectious Disease Group Specialized Register, the Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, EMBASE, LILACS e the International Clinical Trials Registry Platform Search Portal. Estes autores revisaram 19 ensaios clínicos considerando albendazol, metronidazol, tinidazol e nitazoxanida, envolvendo 1.817 participantes (1.441 crianças).

Relataram que a maioria desses estudos apresentava problemas de número amostral ou outros problemas metodológicos, inclusive com a confirmação etiológica do parasito. Dez estudos, provenientes da Índia, México, Peru, Irã, Cuba e Turquia, compararam o albendazol e o metronidazol; cinco estudos, oriundos da Espanha, Reino Unido e Turquia, compararam o mebendazol e o metronidazol. Outros cinco estudos compararam o tinidazol, o metronidazol e a nitazoxanida.

Albendazol

Os autores concluíram, nessa revisão, que o albendazol apresenta efetividade similar à do metronidazol e menos efeitos colaterais, com a vantagem de ser administrado em regimes posológicos mais simplificados, e que são necessários mais estudos, com menos problemas metodológicos, para avalia ção de novas alternativas de tratamento.

Profilaxia e controle

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As medidas mais importantes para a prevenção da giardíase são o acesso a adequadas condições de saneamento, ingestão de água tratada ou fervida, cuidados com a higiene pessoal e adequada preparação e conservação dos alimentos.

Além disso, são importantes o controle de insetos e o adequado diagnóstico e tratamento dos doentes, visando interromper a cadeia de transmissão.

Considerações finais

A giardíase é uma parasitose com raras complicações. No entanto, a julgar pela alta prevalência e impacto em saúde pública, torna-se importante a disseminação dos aspectos atinentes ao diagnóstico, tratamento e, sobretudo, à profilaxia.

Saiba mais (fonte: Ministério da Saúde)

ASPECTOS CLÍNICOS E EPIDEMIOLÓGICOS

Descrição – Infecção por protozoários que atinge, principalmente, a porção superior do intestino delgado. A maioria das infecções são assintomáticas e ocorrem tanto em adultos quanto em crianças. A infecção sintomática pode apresentar diarreia, acompanhada de dor abdominal. Esse quadro pode ser de natureza crônica, caracterizado por fezes amolecidas, com aspecto gorduroso, acompanhadas de fadiga, anorexia, flatulência e distensão abdominal. Anorexia, associada com má absorção, pode ocasionar perda de peso e anemia. Não há invasão intestinal.

Sinonímia – Enterite por giárdia.

Agente etiológicoGiardia lamblia, protozoário flagelado que existe sob as formas de cisto e trofozoíto. O cisto é a forma infectante encontrada no ambiente.

Reservatório – O homem e alguns animais domésticos ou selvagens, como cães, gatos, castores.

Modo de transmissão – Fecal-oral. Direta, pela contaminação das mãos e consequente ingestão de cistos existentes em dejetos de pessoa infectada; ou indireta, através de ingestão de água ou alimento contaminado.

Período de incubação – De 1 a 4 semanas, com média de 7 a 10 dias.

Período de transmissibilidade – Enquanto persistir a infecção.

Complicações – Síndrome de má absorção.

Diagnóstico – Identificação de cistos ou trofozoítos no exame direto de fezes ou identificação de trofozoítos no fluido duodenal, obtido através aspiração.

A detecção de antígenos pode ser realizada através do ELISA, com confirmação diagnóstica. Em raras ocasiões, poderá ser realizada biópsia duodenal, com identificação de trofozoítos.

Diagnóstico diferencial – Enterites causadas por protozoários, bactérias ou outros agentes infecciosos.

Tratamento – Conforme indicado a seguir.

Medicamentos

Adulto – Secnidazol 2g, VO, dose única

Criança – 30mg/kg ou 1ml/kg, dose única tomada após uma refeição

Tinidazol 2g, VO, dose única (para adultos)

Metronidazol 250mg, VO, 2 vezes ao dia, por 5 dias

Crianças – 15mg/kg/dia (máximo de 250mg), VO, dividida em 2 tomadas, por 5 dias

Observação – Não usar bebidas alcoólicas durante ou até 4 dias após o tratamento (efeito antabuse). Contraindicados em gestantes.

Características epidemiológicas – É doença de distribuição mundial. Epidemias podem ocorrer, principalmente, em instituições fechadas que atendam crianças, sendo o grupo etário mais acometido entre oito meses e 10 a 12 anos.

A Giardia é reconhecida como um dos agentes etiológico da “diarreia dos viajantes” em zonas endêmicas. Os cistos podem resistir até dois meses no meio exterior e são resistentes ao processo de cloração da água.

A infecção pode ser adquirida pela ingestão de água proveniente da rede pública, com falhas no sistema de tratamento, ou águas superficiais não tratadas ou insuficientemente tratadas (só por cloração). Também é descrita a transmissão envolvendo atividades sexuais, resultante do contato oro-anal.

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Objetivos – Diagnosticar e tratar os casos para impedir a transmissão direta ou indireta da infecção a outros indivíduos.

Notificação – Não é doença de notificação compulsória. Entretanto, os surtos devem ser notificados aos órgãos de saúde locais.

MEDIDAS DE CONTROLE

a) Específicas – Em creches ou orfanatos deverão ser construídas adequadas instalações sanitárias e enfatizada a necessidade de medidas de higiene pessoal.

Educação sanitária, em particular desenvolvimento de hábitos de higiene – lavar as mãos, após uso do banheiro;

b) Gerais – Filtração da água potável. Saneamento;

c) Isolamento – Pessoas com giardíase devem ser afastadas do cuidado de crianças. Com pacientes internados, devem ser adotadas precauções entéricas através de medidas de desinfecção concorrente para fezes e material contaminado e controle de cura, que é feito com o exame parasitológico de fezes, negativo no 7º, 14º e 21º dias após o término do tratamento.

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