Câncer infantil corresponde a um grupo de várias doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo.
As neoplasias mais frequentes na infância são as leucemias (glóbulos brancos), tumores do sistema nervoso central e linfomas (sistema linfático). Também acometem crianças o neuroblastoma (tumor de células do sistema nervoso periférico, geralmente de localização abdominal), tumor de Wilms (tumor renal), retinoblastoma (tumor da retina/do olho), tumor germinativo (tumor das células que vão dar origem às gônadas), osteossarcoma (tumor ósseo) e sarcomas (tumores de partes moles).
O câncer na infância é uma doença rara. O percentual mediano dos tumores pediátricos encontrados nos registros de base populacional brasileiros situa-se próximo de 3%, o que permite o cálculo estimado de 10 mil casos por ano no Brasil (2012). Apesar disso, sua importância tem sido cada vez maior, já que em países desenvolvidos trata-se da primeira causa de morte por doença na infância.
Na infância, o câncer pode ser curável em 60 a 80% dos casos. Não somente pela utilização correta da quimioterapia, radioterapia e cirurgia associadas ou isoladamente, mas principalmente pelo diagnóstico em estágios precoces.
Enquanto no adulto a maioria das neoplasias malignas é de origem epitelial, com evolução lenta e muitas vezes passível de prevenção, na criança os tumores geralmente são de origem embrionária, com crescimento rápido.
Os tumores de pacientes pediátricos derivam principalmente do sistema hematopoiético/retículo endotelial (leucemias, linfomas), do sistema nervoso central e do tecido mesenquimal. A evolução rápida desses tumores reflete a importância do diagnóstico precoce com o objetivo de iniciar prontamente o tratamento mais eficaz e com menor risco de sequelas.
No Brasil, é frequente que o paciente mantenha as queixas por semanas ou meses, ou com agrave progressivamente o quadro até que seja feito o diagnóstico do câncer em estágio avançado.
Em Pediatria e Oncohematologia, os sinais e sintomas relativamente inespecíficos, que também aparecem em doenças muito mais frequentes, contribuem para o atraso diagnóstico. A persistência da queixa deve ser um sinal de alerta importante.
O câncer pode se manifestar basicamente de três maneiras: 1) sinais e sintomas inespecíficos; 2) sinais e sintomas relacionados à presença do tumor; 3) presença de massa tumoral (Quadro 1).
Sinais e sintomas inespecíficos
Comumente, os tumores pediátricos iniciam sua manifestação com sintomas inespecíficos, sem vestígio de sua localização, tais como febre baixa, perda de peso, dores articulares, adenomegalias (aumento de gânglios linfáticos ou “ínguas”), hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e do baço), cefaleia, ou seja, “aquela criança que deixa de ir bem”.
A associação de um ou mais desses sintomas ou sua persistência além do aceitável para uma hipótese diagnóstica mais simples são os primeiros sinais de alerta de que pode se tratar de uma neoplasia ou alguma patologia grave, que merece melhor atenção e investigação mais aprofundada e rápida.
Quadro 1. Sinais e sintomas do câncer na infância | |
Sinais e sintomas inespecíficos | · Febre baixa
· Perda de peso · Dores articulares · Adenomegalias · Hepatoesplenomegalia · Cefaleia · “Criança que não vai bem” |
Sinais relacionados ao tumor | · Adenomegalia: gânglios múltiplos e coalescentes.
· Dor abdominal: história e exame físico alterados. · Manifestações neurológicas: cefaleia, principalmente pela manhã. · Dor óssea que se mantém em repouso e à noite |
Presença de massa tumoral |
Sinais relacionados ao tumor
Adenomegalias
As adenomegalias são bastante frequentes na criança e, em geral, estão relacionadas a processos infecciosos sistêmicos ou localizados.
Ao se abordar uma criança ou adolescente com adenomegalias, é necessário além de uma história cuidadosa, um acurado exame físico em que todas as cadeias de gânglios são examinadas, além da procura de focos infecciosos localizados, tais como infecção dentária ou dentes mal conservados, infecção amigdaliana, cutânea, entre outros.
O aspecto do linfonodo deve ser avaliado com cuidado, pois linfonodomegalias reacionais podem acometer mais de um linfonodo da mesma cadeia ganglionar, mas não são aderidos entre si, nem com as estruturas vizinhas, enquanto gânglios neoplásicos tendem a ser múltiplos e coalescentes.
O acometimento de cadeias ganglionares pode ser observado em locais como: fossa supraclavicular, região cervical baixa, axilar, pré-auricular, epitrocleano e poplítea, merece investigação com exames de imagem e biópsia precoce, visando afastar doenças mais graves, como linfomas e tuberculose.
Os pacientes com adenomegalias generalizadas, com ou sem hepatoesplenomegalia, devem ser avaliados com atenção especial. Sintomas, como dores ósseas (compressão da região esternal, tibial), anemia, febre, petéquias ou equimoses devem ser obrigatoriamente investigados inicialmente com hemograma completo, RX de tórax e ultrassonografia de abdômen.
As alterações do hemograma em duas ou mais series (anemia, plaquetopenia, leucocitose ou leucopenia) indicam a necessidade de mielograma para se afastar a hipótese de leucemia.
A presença de alargamento mediastinal ou enfartamento ganglionar volumoso, abdominal leva á hipótese de linfoma, devendo ser realizado mielograma e, caso este seja normal, biópsia ganglionar precocemente.
Dor abdominal
A maioria dos tumores abdominais tem a dor como sintoma. Esta, no entanto, é talvez uma das queixas clínicas mais frequentes em Pediatria, relacionadas a distúrbios digestivos, verminoses e outras tantas causas não oncológicas.
Assim, uma criança com dor abdominal deve ser investigada por meio de uma história detalhada, pesquisando-se alteração do hábito intestinal, vômitos, alteração urinária, etc.
Além de um exame físico acuradíssimo, com palpação bimanual, visando verificar alterações da loja renal, palpação em decúbito lateral, presença de ascite, etc. Caso haja alguma alteração do exame físico, será necessária uma investigação por imagem.
A ultrassonografia facilmente realizada é de extrema valia para o diagnóstico de massas abdominais intra ou retroperitoneais. Feito o diagnóstico de massa abdominal ou retroperitonal, é obrigatório que rapidamente se descarte uma neoplasia maligna.
Manifestações neurológicas
Em relação a tumores do sistema nervoso central, é importante ter em mente que sinais de hipertensão intracraniana nem sempre surgem nas fases iniciais do quadro.
A cefaleia da hipertensão intracraniana pode ou não ser acompanhada de vômitos, mas frequentemente ocorre pela manhã, logo ao despertar, ao contrário da enxaqueca e dos distúrbios de acuidade visual que ocorrem durante o dia, após a escola ou alguma atividade. As manifestações neurológicas, tais como ataxia, estrabismo adquirido e parapresias devem ser sempre valorizadas logo ao surgimento. Já a persistência de torcicolo, além de sua duração habitual em torno de 5 a 7 dias, implica a pesquisa de paralisia de nervos oculares e sinais de compressão medular alta.
Dor óssea
A dor óssea é uma queixa muito frequente, principalmente em membros inferiores, em geral relacionadas a trauma de esportes.
A dor traumática, ou após a prática esportiva, tende a melhorar em poucos dias com ou sem medicação. Já crianças ou adolescentes com neoplasia óssea ou infiltração leucêmica não apresentam qualquer melhora com o tempo, e investigando-se bem a queixa álgica, verifica-se que a dor se mantém mesmo à noite.
A presença de aumento de volume também é indicativo de investigação por imagem, onde se deve verificar a presença de reação periosteal, rarefação ou lise óssea, já que os quadros traumáticos tendem a acometer a articulação e, as neoplasias, o osso. É muito frequente confundir-se uma infiltração leucêmica com quadro reumático, pois ambas as patologias cursam com dores osteoarticulares e apresentam alteração das provas inflamatórias inespecíficas.
O uso de corticosteróides só deve ser feito após o diagnóstico preciso de uma patologia reumática e exclusão de uma possível leucemia, por meio de hemograma e mesmo mielograma, pois o uso desses medicamentos em uma criança leucêmica pode acarretar em controle transitório da leucemia e posterior recaída, reduzindo as chances de cura da paciente.
Presença de massa tumoral
A presença de uma massa ou nódulo em subcutâneo, tecido muscular e abdômen deve alertar o médico que pode se tratar de uma neoplasia, visto que são poucas as patologias que podem ser consideradas benignas, baseado apenas na sua aparência e localização.
A presença de uma lesão nodular que não evolui com processo inflamatório não regride ou que aumenta de volume em alguns dias, deve ser biopsiada ou ressecada, para que seja afastada a hipótese de uma neoplasia.
Populações de risco
O pediatra deve estar sempre atento também no acompanhamento de crianças portadoras de malformações e síndromes. Esses pacientes fazem parte de uma população de risco para o desenvolvimento de neoplasias. A síndrome de Down e leucemia, neurofibromatose e tumores de sistema nervoso central e/ou sarcomas são associações observadas com frequência.
Sinais e sintomas mais freqüentes
Manifestações | Diagnóstico | |
Adenomegalias | Linfonodos indolores, coalescentes, sem sinais flogísticos, uma ou mais cadeias envolvidas; localização de alto risco: supraclavicular e cervical baixa | Linfomas Leucemias Moléstia de Hodgkin |
Manifestações neurológicas | Cefaléia matutina, vômitos recorrentes sem náusea, estrabismo adquirido, paralisia de pares craneanos; distúrbio de marcha, desequilíbrio. | Tumor de SNC |
Sinais hemorrágicos | Sangramento gengival espontâneo, equimoses expontâneas fora de áreas de trauma (região pré-tibial, joelhos, cotovelos), petéquias | Leucemias |
Dor óssea | Associada ou não a trauma que não melhora após alguns dias, dor em mais de um osso | Leucemia
Neuroblastoma |
Dor abdominal | Dor abdominal prolongada ou recorrente sem patologia gastro-intestinal, aumento do volume abdominal | Tumor Wilms Neuroblastoma Tumor Hepático |
Nódulos em partes moles | Nódulo ou massa subcutâneo ou muscular de crescimento progressivo sem sinais flogísticos e aderido aos planos profundos | Sarcomas |
Fontes: http://www.hospitalinfantilsabara.org.br/hospital-infantil/especialidades-em-pediatria/oncologia-pediatrica.php – Autores: Ethel Gorender, Renato Melaragno, Sidnei Epelman
http://www.sprs.com.br/sprs2013/bancoimg/131210152055bcped_12_01_04.pdf