A audição é essencial para a aquisição da linguagem oral e desempenha um papel fundamental na integração da criança com o meio exterior.
Para que ocorra a aquisição da linguagem falada, o sistema auditivo deve estar íntegro, tanto a nível periférico quanto central.
20ª semana de gravidez
O início da audição ocorre por volta da 20ª semana de gestação e se desenvolve ativamente nos primeiros meses de vida.
Existe uma ordem de sucessão no desenvolvimento da fala – o início do arrulho, risadas, e o balbucio repetido segue o início da vocalização e acaba levando à produção de palavras simples.
Qualquer interrupção em algumas dessas etapas, especialmente as iniciais, acarretará prejuízos importantes no desenvolvimento de fala e linguagem da criança.
Patologia grave
A deficiência auditiva é uma patologia que a literatura reconhece como grave, uma vez que pode apresentar consequências importantes no desenvolvimento cognitivo, social, intelectual e da linguagem, dos indivíduos portadores da surdez quando não diagnosticada no tempo correto.
A integridade do aparelho auditivo para o desenvolvimento neuropsicomotor da criança é de extrema importância. O componente neural irá se desenvolver até aproximadamente dois anos, sendo este o tempo de ocorrência da plasticidade auditiva.
A criança deve ser capaz de detectar os sons, discriminá-los, localizá-los, reconhecê-los e compreendê-los.
Danos importantes
A perda auditiva é uma das privações sensoriais que mais acarreta danos ao desenvolvimento infantil, afetando funções sociais, cognitivas e ocupacionais e principalmente habilidades linguísticas e de fala.
Crianças privadas de estimulação de linguagem adequada durante os 2 ou 3 anos de vida terão seu potencial linguístico comprometido.
A surdez é considerada um problema de saúde pública devido à alta incidência e às diversas consequências que pode acarretar ao desenvolvimento humano.
UTI neonatal: mais atenção
A incidência de deficiência auditiva em recém-nascidos é estimada entre 1 a 3 a cada mil nascimentos de bebês saudáveis, e aumentando significantemente de 20 a 50 por mil recém-nascidos provenientes de unidades de terapia intensiva (UTI).
Programas de triagem auditiva precoce
Com o objetivo de identificar e intervir precocemente alterações auditivas em crianças com perdas uni ou bilaterais sensorioneurais ou condutiva acima de 30 a 40 dB, foram criados programas de triagem auditiva.
Programas de triagem auditiva são realmente efetivos se houver a identificação ao nascimento e até o primeiro mês de vida, o diagnóstico até os três meses e a intervenção e reabilitação auditiva até os seis meses de idade.
Nos últimos anos têm sido elaboradas leis, versando sobre a obrigatoriedade da triagem auditiva neonatal (TAN).
O que são emissões otoacústicas?
A TAN tem o objetivo de detectar precocemente alterações auditivas em recém-nascidos (RN) por meio das Emissões Otoacústicas (EOA), ou seja, o teste da orelhinha.
As EOA são energias sonoras de fraca intensidade que são amplificadas pela contração das células ciliadas externas, na cóclea, podendo ser captadas no Conduto Auditivo Externo (CAE). O método das EOA é simples, de rápida realização, pode ser aplicado durante o sono fisiológico e não requer sedação.
E quando a criança “não passa” no teste?
É importante destacar que quando uma criança falha na testagem inicial, a angústia dos pais é inevitável. Segundo a literatura, a ansiedade, a desconfiança, a insegurança, o medo e a tensão foram sentimentos relatados pelas mães, cujos bebês precisaram ser retestados por não apresentarem as respostas esperadas.
Estima-se que no Brasil 3 a 5 crianças em 1.000 nascem surdas, aumentando para 2 a 4 em cada 100 nascimentos quando provenientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A idade média do diagnóstico da deficiência auditiva varia em torno de 3 a 4 anos de idade, podendo levar até 2 anos para ser concluído.
Portanto, a intervenção precoce deve ser iniciada antes de seu primeiro ano de vida, pois resulta em um melhor desenvolvimento da fala e linguagem, a aquisição de habilidades cognitivas, o desenvolvimento sócio-emocional e ao sucesso acadêmico 2.
IRDA
As intercorrências pré, peri e pós-natais caracterizam os Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva (IRDA):
- permanência em UTI por mais de 48h;
- asfixia perinatal grave;
- meningite bacteriana;
- infecções intrauterinas (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes);
- anomalias craniofaciais, incluindo anormalidades morfológicas do pavilhão auricular e do conduto auditivo externo (CAE);
- hiperbilirrubinemia,
- exsanguíneotransfusão;
- história familiar de perda auditiva; peso inferior a 1.500g;
- ventilação mecânica por mais de 5 dias;
- síndromes associadas à perda auditiva condutiva ou neurossensorial;
- medicação ototóxica, incluindo aminoglicosídeos usados por mais de 5 dias e diuréticos usados em combinação com os aminoglicosídeos.
A importância da pesquisa desses indicadores está relacionada principalmente ao fato de que a audição normal ao nascer não impede o início tardio de perda auditiva e/ou a progressão da perda auditiva já existente ao nascimento, bem como a observação e acompanhamento de crianças que não apresentaram ao nascer nenhum dos IRDA, mas podem desenvolver uma deficiência auditiva.
Não se passa no teste da orelhinha “para sempre”!
É importante esclarecer também que o “passa” no teste equivale dizer que, no momento do teste, os resultados foram compatíveis com audição normal. Isso não significa que no decorrer da infância, perdas auditivas não possam ser adquiridas por otite secretora, infecções, medicamentos ototóxicos, causas genéticas ou traumáticas, podendo gerar perdas auditivas permanentes.
Resumindo em 12 pontos
1. Prevenir a perda auditiva é uma forma de proteger e impedir que a criança sofra os efeitos provocados pela falta de estimulação auditiva sobre a função da linguagem.
2. Cerca de 50% das perdas auditivas poderiam ser evitadas ou suas sequelas diminuídas, se ocorressem precocemente medidas de detecção, diagnóstico e reabilitação.
3. A Academia Americana de Pediatria (AAP) revela que a deficiência auditiva permanente atinge de um a três em 1000 bebês nascidos e acompanhados em berçários normais e de dois a quatro bebês, em um grupo de 1000 nascimentos acompanhados em UTIs neonatais. Afetam também crianças na idade pré-escolar, em decorrência de doenças como meningite e otite média secretora adquirida antes dos primeiros 12 meses de vida.
4. A prevalência de deficiência auditiva é vinte vezes maior que outras doenças como a fenilcetonúria ou hipotireoidismo e sua identificação demanda um custo dez vezes menor que para outras doenças.
5. Na infância, a ocorrência de perda auditiva sensorioneural está associada ao uso de antibióticos, principalmente aos aminoglicosídeos, diuréticos de alça e outros fatores tais como, ruído na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), infecção neonatal, meningite bacteriana, hiperbilirrubinemia, anóxia perinatal, oxigenoterapia e hereditariedade. Em particular, a frequência de uso de antibióticos em UTIN vem crescendo nos últimos anos como consequência do aumento na disponibilidade de UTIN e dos avanços tecnológicos que tem proporcionado maior sobrevivência de neonatos de muito baixo peso.
6. O papel do pediatra é necessário para que os programas de detecção e intervenção precoces da audição sejam bem sucedidos. Contudo, há necessidade do envolvimento de toda a equipe de saúde, da família e da comunidade.
7. O processo de identificação precoce da deficiência auditiva deve ser iniciado ainda no berçário, por meio da triagem auditiva neonatal (TAN) por ser uma forma eficiente de identificar, principalmente, as crianças de risco. A triagem simplesmente identifica. O ideal seria, logo após o nascimento, identificar as crianças de risco, encaminhar para confirmação da suspeita da deficiência auditiva e enquadrar em processos terapêuticos.
8. O Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na Infância (CBPAI) recomenda a implantação da triagem auditiva neonatal universal (TANU) para todas as crianças do nascimento até os três meses de idade.
9. O Joint Committee on Infant Hearing (JCIH) recomenda que todo o recém nascido deve ter sua audição avaliada, tendo em vista a grande incidência de alterações em bebês que não estão inseridos em um grupo indicador de risco. Nos casos de deficiência auditiva confirmada, deve haver intervenção educacional até os seis meses de idade.
10. A AAP recomenda a utilização de métodos eletrofisiológicos nos programas de TAN como o potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) e as emissões otoacústicas evocadas (EOAE) (Teste da Orelhinha). Para que se possa fazer o diagnóstico precoce, os bebês considerados de risco para deficiência auditiva ou não, devem realizar a TAN nas primeiras 48 horas de vida ou antes da alta hospitalar.
O PEATE avalia a integridade neural das vias auditivas até o tronco encefálico, através do registro das ondas eletrofisiológicas, geradas em resposta a um som apresentado e captado por eletrodos de superfície colocados na cabeça.
As EOAE registram a energia sonora gerada pelas células ciliadas da cóclea, em resposta aos sons apresentados e gravados por microfone miniaturizado colocado no conduto auditivo externo.
Os métodos citados são rápidos, não invasivos e de fácil aplicação. Não sendo possível realizar a triagem pelos métodos eletrofisiológicos é possível investigar junto aos fatores de risco, a observação do comportamento auditivo e pesquisa do reflexo cócleo-palpebral, porém perdas leves ou unilaterais não podem ser diagnosticadas por este método.
11. É fundamental o conhecimento e a valorização de todos os profissionais de saúde envolvidos no período pré e pós-gestacional para que haja efetividade nos programas de triagem auditiva, tendo em vista a detecção precoce da perda auditiva por meio do teste da orelhinha. Todo o esforço só é válido se existir a consciência imediata dos profissionais que atuam diretamente com os bebês, com o intuito de dar início ao processo de reabilitação.
12. A participação do fonoaudiólogo é fundamental no acompanhamento e monitoramento do diagnóstico precoce das alterações auditivas, a fim de propiciar melhoria na qualidade de vida das crianças.
- BOSCATTO, Soraia Domingues; MACHADO, Márcia Salgado. Teste da orelhinha no Hospital São Vicente de Paulo: levantamento de dados. Rev. CEFAC, São Paulo , v. 15, n. 5, p. 1118-1124, Oct. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462013000500008&lng=en&nrm=iso>. access on 13 July 2016. Epub Oct 26, 2012.
- MAIA, Raquel Martins; SILVA, Maria Adelane Monteiro da; TAVARES, Patrícia Moreira Bezerra. Saúde auditiva dos recém-nascidos: atuação da fonoaudiologia na Estratégia Saúde da Família. Rev. CEFAC, São Paulo , v. 14, n. 2, p. 206-214, Apr. 2012 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462012000200003&lng=en&nrm=iso>. access on 13 July 2016. Epub Oct 28, 2011. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000114.
- HILU, Maria Regina Pereira Boeira; ZEIGELBOIM, Bianca Simone. O conhecimento, a valorização da triagem auditiva neonatal e a intervenção precoce da perda auditiva.Rev. CEFAC, São Paulo , v. 9, n. 4, p. 563-570, Dec. 2007 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462007000400017&lng=en&nrm=iso>. access on 13 July 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462007000400017.
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