Organização lança, na próxima semana, campanha para melhorar a segurança da cadeia produtiva
Estima-se que mais de 2 milhões de pessoas, a maioria crianças, morram anualmente em decorrência dessas enfermidades, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Doenças provocadas por alimentos e água contaminados têm consequências devastadoras para a saúde e a economia de um país, independentemente do grau de desenvolvimento da nação.
A OMS alerta sobre a necessidade de promover ações internacionais que englobem toda cadeia de abastecimento de comida.
Embora as doenças de origem alimentar recebam pouca atenção, são um grave problema de saúde pública. Em conjunto, somam pelo menos 200 problemas, desencadeados por bactérias, parasitas, vírus e substâncias químicas.
No melhor dos casos, o paciente sofre apenas com náuseas e diarreia leve. Porém, podem surgir quadros mais graves, como insuficiência renal e hepática, distúrbios neurais, artrite reativa, câncer e até levar à morte.
A campanha da OMS chama-se “Do campo ao prato, torne os alimentos seguros”. Desde 2010, foram registrados pelo menos 582 milhões casos de 22 doenças entéricas transmitidas por produtos alimentícios — pouco mais de 40% eram crianças com menos de 5 anos.
No total, foram 351 mil mortes, a maior parte causada por Salmonella typhi (52 mil óbitos), Coli enteropatogênica (37 mil) e Norovírus (35 mil). E esses números ainda podem subir quando a análise for concluída — os resultados finais devem sair em outubro.
Sem fronteiras
Historicamente, doenças ligadas à alimentação são mais comuns no interior, onde a comida, por exemplo a carne, é produzida e consumida em casa.
Como nem sempre os animais são criados em condições ideais, acabam portando e transmitindo toxinas e vermes, sendo a Taenia solium, causadora da enfermidade conhecida como “solitária”, um deles. Porém, segundo a OMS, essa não é mais a regra.
Nas últimas décadas, os sistemas de produção e transporte de alimentos foram adaptados para funcionar em uma rede global. O lado ruim do processo é que os agentes causadores de doenças podem entrar na cadeia de abastecimento. Para a entidade de saúde, a globalização da distribuição aumenta a probabilidade de as doenças atravessarem fronteiras nacionais.
Um exemplo disso ocorreu em São Paulo, em 2005, quando o município registrou um surto de difilobotríase, enfermidade transmitida por um parasita de peixes. Os casos foram registrados em 20 pessoas que comeram sushi e sashimi em restaurantes da cidade.
A suspeita incidiu sobre o salmão, que, com o robalo, é o principal hospedeiro do verme causador da doença, o Diphyllobothrium spp. Hoje, assim como há 10 anos, praticamente todo salmão consumido no Brasil é importado do Chile. Outro caso foi um surto de febre aftosa na Inglaterra que chegou à França e, depois, se espalhou pela Europa em 2000.
“Um problema de segurança alimentar local pode rapidamente se tornar uma emergência internacional”, diz Margaret Chan, diretora-geral da OMS, acrescentando que a investigação de surtos de doenças transmitidas por alimentos é muito mais complicada quando um pacote de comida contém ingredientes de vários países. “Muitas vezes, é preciso uma crise para que a consciência coletiva seja agitada, e uma medida séria seja tomada”, completa Kazuaki Miyagishima, diretor do Departamento de Segurança dos Alimentos e Zoonoses da OMS.
Salmonela
Embora os alimentos industrializados sejam submetidos a criteriosos processos de fabricação, eles continuam suscetíveis à contaminação, especialmente por bactérias. A salmonela é uma das mais recorrentes. Em 2013, nos Estados Unidos, cerca de 250 pessoas de 18 estados adoeceram após consumirem frango infestado pelo micro-organismo. O mesmo ocorreu na Holanda, no ano anterior, com 950 doentes e três mortos. No Brasil, 18% dos casos de doenças provocados por comidas registrados entre 2000 e 2014 foram devidos à salmonela.
Henrique Marconi Sampaio Pinhati, infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, explica que essa bactéria está presente em produtos mal processados, especialmente o ovo. “O caipira pode vir sujo com as fezes da galinha, por isso é importante limpá-lo antes de colocar na geladeira. A bactéria também pode vir dentro do próprio ovo, que deve passar por uma boa cocção (cozimento) antes de ser consumido”, explica Pinhati, também presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, regional do Distrito Federal.
Ele explica que, além das bactérias, há o perigo imposto pelos vírus. Os norovírus são mais comuns entre adultos, causando febre alta durante dois ou três dias. “A grande questão é que o médico confunde isso com infecção bacteriana. É a tal virose com que as crianças sofrem tanto”, diz, notando que, entre os pequenos, o adenovírus é o grande causador das doenças de diagnóstico confuso.
Prejuízos
Os alimentos não seguros também representam grandes riscos econômicos. Em 2011, um surto de E. coli na Alemanha causou perdas de US$ 1,3 bilhão para os agricultores e indústrias e exigiu mais US$ 236 milhões para ajuda humanitária, pagos por 22 países da União Europeia.
Na campanha que está lançando, a OMS ressalta que situações de emergência como essa podem ser evitadas com o desenvolvimento de sistemas que auxiliem os governos a arquitetarem ações públicas para conter as contaminações químicas ou microbiológicas.
A organização também ressalta que o consumidor, parte final da cadeia de abastecimento, desempenha um papel importante na promoção da segurança alimentar, adotando hábitos higiênicos, especialmente na hora de cozinhar certos alimentos, como carnes.
Manter a limpeza
Lavar bem as mãos antes de cozinhar é essencial. Além disso, para garantir a limpeza dos vegetais, como verduras, frutas e legumes, é preciso lavá-los para retirar as sujeiras e deixá-los de molho por 30 minutos em uma solução com hipoclorito de sódio.
“Muita gente acha que o vinagre faz a desinfecção e isso é um erro. O vinagre só ajuda as partículas maiores a sedimentarem na água, mas não mata os micro-organismos mais nocivos à saúde”, diz Nídia Pucci, nutricionista do Hospital 9 de Julho.
Não misturar alimentos crus e cozidos
Carnes cruas ou vegetais crus ainda não lavados não devem ser misturados com alimentos cozidos, prontos para consumo. De acordo com Nídia, todo alimento tem bactérias, mas enquanto os cozidos têm uma quantidade de bactérias não patogênicas, os crus podem ter bactérias que provocam doenças.
A nutricionista explica que recorrer aos mesmos utensílios para preparar carnes cruas e outros alimentos pode gerar uma contaminação cruzada. “As bactérias que são do frango cru, por exemplo, podem passar para uma verdura. Por isso deve-se preparar um de cada vez e lavar a tábua e a faca antes de preparar o próximo alimento.”
Outra dica é evitar a tábua de madeira, já que ela torna mais difícil a limpeza e eliminação de possíveis bactérias. A tábua de acrílico é uma opção mais segura.
Cozinhar bem para matar micro-organismos
O cozimento em temperaturas acima de 100ºC é capaz de matar bactérias patogênicas. Para evitar contaminações, o ideal é evitar o consumo de carnes cruas ou mal passadas ou ovos com gema mole. Nídia lembra que a recomendação vale especialmente para gestantes e idosos, mais vulneráveis a esse tipo de infecção.
De acordo com a OMS, os microorganismos presentes em comidas que mais provocaram mortes em 2010 foram as bactérias Salmonella typhi, que levou a 52 mil mortes e a E. coli, responsável por 37 mil mortes, além do norovírus, causador de 35 mil mortes.
Manter temperaturas seguras
Para prevenir o crescimento de micro-organismos, é importante observar a temperatura de armazenamento dos alimentos. O ideal é mantê-los em uma temperatura menor do que 5ºC ou maior do que 60ºC. A nutricionista observa que é importante ficar atento à regulação da geladeira em casa: no verão, ela deve ser ajustada para trabalhar com uma potência maior.
Usar água e alimentos crus seguros
Na hora de comprar os produtos, é preciso ter cuidados especiais, segundo Nídia. No caso de carnes, frios e laticínios, o consumidor deve observar a temperatura da geladeira do mercado. No caso de alimentos congelados, a presença de pedras de gelo soltas dentro da embalagem pode indicar que o alimento descongelou e voltou a ser congelado, o que não é seguro.
“Carnes com coloração marrom ou acinzentada e frios com coloração esbranquiçada podem indicar que, mesmo estando dentro de prazo de validade, o resfriamento pode não ter sido adequado”, diz a especialista.
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/04/comida-contaminada-levou-351-mil-mortes-em-2010-diz-relatorio-da-oms.html