Dores abdominais (de repetição) em escolares

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A dor abdominal é um problema comum em escolares.

O que é D.A.R.?

Presença de, pelo menos, três episódios de dor suficientemente fortes para interferir nas atividades habituais da criança por um período mínimo de três meses.

Aproximadamente 10% dos escolares apresentam episódios de dores abdominais recorrentes (DAR).

Principais causas

Várias causas orgânicas estão relacionadas à dor abdominal, sendo que, em muitos casos, a fisiopatologia é relacionada a processos infecciosos (por exemplo, infecção do trato urinário), inflamatórios (doença de Crohn) ou distensão/obstrução de vísceras ocas. Doenças parasitárias e constipação também devem ser consideradas.tabela-268-1

Por que “funcional”?

Muitas doenças podem causar DAR. Na prática clínica, a maioria das crianças e adolescentes não tem evidência de doença e apresenta o que se chama “dor abdominal funcional”.

A dor abdominal funcional é a maior causa de dor abdominal crônica na infância e adolescência.

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De acordo com os critérios de Roma III para dor abdominal, os distúrbios gastrintestinais funcionais requerem sintomas por (pelo menos) dois meses, sem a presença de sinais de alarme, assim como exame físico normal e pesquisa de sangue oculto negativa.

“Mecanismos” (Fisiopatologia)

A fisiopatologia envolve uma interação entre os fatores regulatórios dos sistemas entérico e nervoso central e pode estar associada à hiperalgesia visceral, redução do limiar da dor, dor referida após a distensão retal, ou a um relaxamento inadequado gástrico pós-prandial.

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DGIF

Pacientes com distúrbios gastrintestinais funcionais (DGIF) podem apresentar sintomas semelhantes, porém com diferentes causas. Desta forma, o manejo deverá ser individualizado de acordo com o comportamento da criança e da família, assim como dos gatilhos e sintomas envolvidos.

A dor é real!

O esclarecimento à família de que a dor é real e que tem afetado as atividades da criança é fundamental, além de enfatizar que esta pode ser desencadeada por fatores ambientais e psicossociais.

Faz-se necessário investir em modificações comportamentais, com a finalidade de aumentar a tolerância da dor, reduzir a ansiedade e adquirir habilidade em enfrentar a dor através de técnicas de relaxamento e distração.

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Melhores resultados com a terapia cognitiva comportamental

Alguns estudos randomizados comprovam que a terapia cognitiva comportamental foi mais efetiva do que a terapia médica convencional em reduzir a frequência e a intensidade da dor.

A identificação do gatilho da dor poderá auxiliar o manejo terapêutico.

Dieta adianta?

Rotineiramente, não há evidências que suportem a efetividade da dieta restritiva em pacientes portadores de DGIF, exceto quando ocorre uma correlação de sintomas com a ingesta de alimentos específicos.467--fodmap

Neste caso, a eliminação deste alimento por um tempo delimitado deverá ser efetuada.

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A dieta de restrição pode resultar em deficiências nutricionais importantes, com impacto no crescimento e desenvolvimento destes pacientes.

Principais gatilhos alimentares que detonam o quadro

Os principais gatilhos dietéticos incluem: lactose, frutas cítricas, glúten, alimentos gordurosos, bebidas gaseificadas ou cafeinadas, sorbitol e alimentos produtores de gás.List-of-High-FODMAP-Foods-Coconuts-Kettlebells

Este último grupo envolve os FODMAPs, ou seja, carboidratos de cadeia curta (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e poliois), que são pouco absorvíveis pelo trato gastrintestinal e rapidamente fermentados pelas bactérias do cólon, com consequente produção de gás, aumento da osmolaridade, distensão e dor abdominal.

Há alguma evidência de que uma dieta pobre em FODMAPs pode ser útil em adultos portadores de síndrome do intestino irritável.

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Entretanto, apesar de promissores, os estudos em crianças e adolescentes não são suficientes para que esta dieta seja recomendada.

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Probióticos

Os probióticos podem ser úteis no manejo combinado da dor abdominal funcional, mas seu mecanismo de ação não é claro. Acredita-se que podem diminuir os sintomas gastrintestinais através da restauração do equilíbrio da microbiota intestinal, do reforço da barreira mucosa intestinal ou pela alteração da resposta inflamatória local.

Ação semelhante também é encontrada com a suplementação de fibras solúveis em água.

Revisões da literatura atual evidenciam que os probióticos reduzem a dor e o score de severidade de sintomas comparados com placebo em crianças e adultos portadores de síndrome do intestino irritável.

Objetivo do tratamento

O objetivo do tratamento da dor abdominal funcional da criança e do adolescente é permitir o retorno de suas atividades normais mais que a completa eliminação da dor.

O modelo de cuidado no contexto biopsicossocial é o mais efetivo.

As crianças que desenvolverem qualquer sinal de alarme devem ser submetidas à investigação de doenças orgânicas.dor+abdominal1

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Atenção especial deve ser dada às adolescentes com dores abdominais agudas, mesmo não sendo o objetivo desta comunicação:

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Passos importantes

Finalmente, alguns passos são úteis para o adequado manuseio das dores recorrentes abdominais:

  1. Explicação para a família, de forma cuidadosa, sobre os conceitos e as razões por trás das investigações. Após a exclusão das causas orgânicas, reassegure ao paciente e à família que não há uma doença séria presente.
  2. Identificação dos sinais de alerta.
  3. Postura de evitar “rótulos psicológicos”, a não ser que as evidências mostrem a presença de psicopatologia.
  4. Permissão (e encorajamento) para a realização das atividades normais.
  5. Atenção para a retirada das atividades. Caso ocorra a interrupção das atividades normais por iniciativa da própria criança, deve-se considerar o encaminhamento psicológico.
  6. Estabelecimento de um acompanhamento regular com retornos periódicos para controle dos sintomas.
  7. Disponibilidade para examinar a criança caso ocorram mudanças no padrão da dor ou no caso de pais muito ansiosos.
  8. Cuidado com a resposta ao placebo.
  9. Evite o diagnóstico imediato baseado em resposta terapêutica.
  10. Abertura para pedidos de segunda opinião.

OBS.: massas intra e retroperitoniais precisam ser investigadas.

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Critérios diagnósticos para dispepsia funcional

Devem ser incluídas as seguintes características:dispep_q1

  1. Dor recorrente ou desconforto no abdome superior (acima do umbigo).
  2. Dor não aliviada pela defecação ou dor associada com uma mudança na frequência de evacuações ou forma das fezes.
  3. Ausência de evidência de um processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico que explique a dor.tumores_t2

Critérios diagnósticos para a síndrome do intestino irritável*

Devem ser incluídas as seguintes características:SII_roma3

  1. Desconforto abdominal (uma sensação desconfortável não descrita como a dor) ou dor associada com dois ou mais dos seguintes casos em pelo menos 25% do tempo:
  2. a) Melhora com a defecação;
  3. b) Início associado com uma mudança na frequência das fezes, e
  4. c) Início associado com alteração na aparência das fezes
  5. Ausência de evidência de um processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico.

* Critérios presentes uma vez por semana por, no mínimo, dois meses antes do diagnóstico,

Critérios diagnósticos para a enxaqueca abdominal †

Devem ser incluídas as seguintes características:

  1. Episódios paroxísticos de dor aguda intensa periumbilical com duração de uma hora ou mais.
  1. Dor intercalada por períodos de saúde com duração usual de semanas a meses.
  2. Dor que interfere nas atividades normais.
  3. Dor associada a 2 ou mais dos seguintes sintomas: anorexia, náuseas, vômitos, dor de cabeça, fotofobia ou palidez.
  1. Ausência de evidência de um processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico.

 Critérios diagnósticos para dor abdominal funcional na infância

Devem ser incluídas as seguintes características:

  1. Dor episódica ou dor abdominal contínua.
  2. Ausência de critérios para outros distúrbios gastrintestinais funcionais.
  3. Ausência de evidências de processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico.

 Deve ser incluída a dor abdominal funcional na infância em pelo menos 25% do tempo e um ou mais dos seguintes:

  1. Perda de funcionamento diário.
  2. Sintomas somáticos adicionais como dor de cabeça, dores nos membros ou dificuldade em dormir.

 Critérios diagnósticos para aerofagia

Devem ser incluídos pelo menos dois dos seguintes:

  1. Ato de engolir ar.
  2. Distensão abdominal devido ao ar intraluminal.
  3. Arrotos repetitivos e/ou aumento de flatos.

Saiba mais:

http://pediatrics.aappublications.org/content/115/3/812.full.pdf+htmlhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4356930/pdf/WJG-21-3072.pdf

Referências Bibliográficas:

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6- Shepherd SJ et al. Short-Chain Carbohydrates and Functional Gastrointestinal Disorders. Am J Gastroenterol 2013; 108:707–17.
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Dra. Adriana Domingues Graziano – Gastroenterologia

https://www.nestlenutrition.com.br/comentarios-dos-especialistas/detalhe/dra-adriana-domingues-graziano/2015/08/06/disturbios-gastrointestinais-funcionais

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